Ditadura militar volta a ser objeto de projetos que propõem reflexão sobre os "anos de chumbo"
"Todas as mágoas são suportáveis quando fazemos delas uma história ou contamos uma história a seu respeito". A receita de Isak Dinesen, pseudônimo usado pela escritora dinamarquesa Karen Blixen, parece estar se multiplicando do outro lado do Atlântico. Num movimento de involuntária convergência, o cinema, a literatura e a música preparam uma série de produções que se voltam para a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, na tentativa de resgatar as várias histórias das mágoas e marcas deixadas por esse período.
É fato que o tema nunca deixou de ser abordado, mas o passado, às vezes, inevitavelmente, se esbarra com o presente. Foi numa situação dessas que nasceu um dos materiais relacionados ao período, que em breve será lançado. Exatamente no ano em que se completam 30 anos do atentado do Riocentro, quando duas bombas explodiram, matando um membro das forças armadas e ferindo outro, frustrando um ataque planejado contra a multidão que se reunia para um show em comemoração ao dia do trabalho, o produtor musical Marcelo Fróes deparou-se com parte da gravação do show daquela noite, enquanto pesquisava arquivos do Instituto Cravo Albin.
O produtor encontrou mais de uma hora de áudio, com apresentações de Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Gal Costa, Moraes Moreira, MPB4, Gonzaguinha e Luiz Gonzaga, que serão compiladas no CD provisoriamente batizado de "Show 1º de Maio", cujo lançamento deve ocorrer até agosto deste ano. Registro raro do encontro de grandes nomes da MPB, o álbum trará à tona "a lembrança boa de uma noite ruim", considera Marcelo. "‘Eles’ não conseguiram dizimar a MPB. A fita é uma cápsula do tempo que o destino guardou pra comprovar isso 30 anos depois", completa Marcelo.
VladoOutro caso daquele passado que voltará à tona é o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 nas dependências do Dops - inicialmente, os militares alegaram que Vlado havia se suicidado, mas um processo movido pela família do jornalista, ainda durante o regime militar, conseguiu comprovar que a morte havia sido provocada por tortura. O jornalista Audálio Dantas, à época presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, entidade que encabeçou as mobilizações que, impulsionadas pela morte de Herzog, ampliaram o conhecimento público da prática de tortura por parte dos agentes federais, decidiu contar a história a partir de sua própria perspectiva.
"É um projeto que eu descartei durante mais de 30 anos. Achava que as coisas já tinham sido ditas, mas cheguei à conclusão que há outras palavras para contar", diz Audálio sobre o livro "A Segunda Guerra de Vladimir Herzog", que será lançado pela Editora Record e deve chegar às livrarias no segundo semestre. Para o jornalista, este e outros projetos que se voltam para o período militar são um eco mais distanciado do próprio caso de Herzog, considerado um dos desencadeadores do processo que culminou na abertura política.
Mais que um eco, algumas dessas iniciativas podem ser também, para alguns, o primeiro som que se houve sobre os chamados "anos de chumbo", acredita o autor de novelas Thiago Santiago, responsável por "Amor e Revolução", trama exibida pelo SBT. "É uma novela que está apresentando essa época para milhões de brasileiros que não conheciam a história", afirma, lembrando que este é o primeiro folhetim a tratar dos governos militares - na TV, o assunto havia sido abordado somente por minisséries. "É um tema difícil, mexe com muitas feridas não cicatrizadas. Isso explica porque ele não havia sido tratado em novelas ainda, mas, por outro lado, explica também porque há gente querendo falar mais sobre ele", diz Thiago.
É fato que o tema nunca deixou de ser abordado, mas o passado, às vezes, inevitavelmente, se esbarra com o presente. Foi numa situação dessas que nasceu um dos materiais relacionados ao período, que em breve será lançado. Exatamente no ano em que se completam 30 anos do atentado do Riocentro, quando duas bombas explodiram, matando um membro das forças armadas e ferindo outro, frustrando um ataque planejado contra a multidão que se reunia para um show em comemoração ao dia do trabalho, o produtor musical Marcelo Fróes deparou-se com parte da gravação do show daquela noite, enquanto pesquisava arquivos do Instituto Cravo Albin.
O produtor encontrou mais de uma hora de áudio, com apresentações de Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Gal Costa, Moraes Moreira, MPB4, Gonzaguinha e Luiz Gonzaga, que serão compiladas no CD provisoriamente batizado de "Show 1º de Maio", cujo lançamento deve ocorrer até agosto deste ano. Registro raro do encontro de grandes nomes da MPB, o álbum trará à tona "a lembrança boa de uma noite ruim", considera Marcelo. "‘Eles’ não conseguiram dizimar a MPB. A fita é uma cápsula do tempo que o destino guardou pra comprovar isso 30 anos depois", completa Marcelo.
VladoOutro caso daquele passado que voltará à tona é o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 nas dependências do Dops - inicialmente, os militares alegaram que Vlado havia se suicidado, mas um processo movido pela família do jornalista, ainda durante o regime militar, conseguiu comprovar que a morte havia sido provocada por tortura. O jornalista Audálio Dantas, à época presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, entidade que encabeçou as mobilizações que, impulsionadas pela morte de Herzog, ampliaram o conhecimento público da prática de tortura por parte dos agentes federais, decidiu contar a história a partir de sua própria perspectiva.
"É um projeto que eu descartei durante mais de 30 anos. Achava que as coisas já tinham sido ditas, mas cheguei à conclusão que há outras palavras para contar", diz Audálio sobre o livro "A Segunda Guerra de Vladimir Herzog", que será lançado pela Editora Record e deve chegar às livrarias no segundo semestre. Para o jornalista, este e outros projetos que se voltam para o período militar são um eco mais distanciado do próprio caso de Herzog, considerado um dos desencadeadores do processo que culminou na abertura política.
Mais que um eco, algumas dessas iniciativas podem ser também, para alguns, o primeiro som que se houve sobre os chamados "anos de chumbo", acredita o autor de novelas Thiago Santiago, responsável por "Amor e Revolução", trama exibida pelo SBT. "É uma novela que está apresentando essa época para milhões de brasileiros que não conheciam a história", afirma, lembrando que este é o primeiro folhetim a tratar dos governos militares - na TV, o assunto havia sido abordado somente por minisséries. "É um tema difícil, mexe com muitas feridas não cicatrizadas. Isso explica porque ele não havia sido tratado em novelas ainda, mas, por outro lado, explica também porque há gente querendo falar mais sobre ele", diz Thiago.
Cinema faz paralelo com o presente
Ainda que o foco esteja no passado, alguns projetos dialogam com o presente. O filme “Sala de Espera”, da cineasta Lúcia Murat, vai narrar o reencontro, décadas depois, de um grupo de amigos que resistiram à ditadura, provocando uma revisão das utopias daquela época. O longa deve ser finalizado em dezembro e terá Irene Ravache e Otávio Augusto no elenco. Ainda sem previsão de estréia, o filme “Primavera”, com Denise Fraga no elenco, segue a mesma linha. Inspirado na obra do escritor uruguaio Mario Benedetti, o filme vai mostrar um casal que se separa porque o marido se torna preso político no Uruguai. A esposa, brasileira, migra para a Argentina.
Entrelaçando o histórico de ditaduras comum a esses três países, o longa vai tirar o foco da tortura e da luta armada para tratar dos reflexos da repressão nas relações pessoais, mantendo conexões com o presente. “É muito parecido com o que acontece hoje no mundo. Tudo o que estourou no Egito, na Líbia, é por conta desses governos que continuam usando a força”, observa o diretor Luiz Villaça.
Todas essas iniciativas demonstram o quanto o país ainda tem a refletir sobre aquele período, observa o professor do departamento de Ciências Sociais da PUC-Minas, Ricardo Ribeiro. “Com toda a censura e repressão daquele momento, a sociedade brasileira foi muito desafiada a pensar. Isso faz com que o período seja extremamente interessante para investigação. Mas não se deve apenas trazer o passado para o presente, é preciso buscar elementos que sinalizem o presente e o futuro do país”. (PB)
PRISCILA BRITO
Entrelaçando o histórico de ditaduras comum a esses três países, o longa vai tirar o foco da tortura e da luta armada para tratar dos reflexos da repressão nas relações pessoais, mantendo conexões com o presente. “É muito parecido com o que acontece hoje no mundo. Tudo o que estourou no Egito, na Líbia, é por conta desses governos que continuam usando a força”, observa o diretor Luiz Villaça.
Todas essas iniciativas demonstram o quanto o país ainda tem a refletir sobre aquele período, observa o professor do departamento de Ciências Sociais da PUC-Minas, Ricardo Ribeiro. “Com toda a censura e repressão daquele momento, a sociedade brasileira foi muito desafiada a pensar. Isso faz com que o período seja extremamente interessante para investigação. Mas não se deve apenas trazer o passado para o presente, é preciso buscar elementos que sinalizem o presente e o futuro do país”. (PB)
PRISCILA BRITO
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