Marco Lisboa |
Na
antiga União Soviética, Jdanov criou o realismo socialista, a política oficial
do estado para a cultura. Os escritores eram considerados “engenheiros de
almas” e sua missão era construir o novo homem soviético. Alguma coisa deve ter
dado errado no cálculo estrutural... O cânone do realismo socialista era o
herói positivo. A literatura deveria ter espírito de partido, mostrando heróis
sem defeitos e vilões com todos os defeitos possíveis. Nada de meio-tons.
Na história, apesar do caráter científico que o marxismo lhe atribui, tentou-se transplantar este modelo. As fotos oficiais eram constantemente apagadas, à medida que os retratados iam sendo expurgados. A história do Partido Bolchevique é uma tentativa de reescrever a história como ela deveria ter sido e não como foi.
No Brasil, há bastante material sobre a história da esquerda. Combate nas Trevas, de Gorender, é uma referência obrigatória. Eu gostaria de chamar a atenção para dois romances, mais ou menos na linha de Os carbonários: “A que hora vem o povo?” de Ricardo Lessa e “O que é isso companheiro?” de Gabeira. O segundo alcançou grande notoriedade quando foi publicado e serviu de base para o filme sobre o seqüestro. Há uma enorme polêmica sobre o filme e o próprio Gabeira, que é considerado de direita pela maioria da esquerda.
O livro de Ricardo Lessa não teve tanta repercussão. É uma narrativa romanceada dos subterrâneos do MR8. Lessa foi repórter do jornal Hora do Povo. Condenado a 2 anos e 5 meses de cadeia, conviveu de perto com seus dirigentes. O que diferencia este livro dos outros citados é a crítica aberta que faz à política interna de sua organização.
“É preciso ler para crer. Para descrer das certezas indubitáveis. Para rir dos ismos essenciais. Para evitar que verbetes de cartilhas obstruam a lavra maior dos ensinamentos deste romance de Ricardo Lessa”. Eu gostaria de acrescentar a estas palavras da última capa do romance que, na literatura, como na história, o meio-tom é essencial para retratar com fidelidade uma época. Preto e branco só o manto sagrado!
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