sexta-feira, 22 de julho de 2011

Luta ideológica de fachada em Sapé

Pedro Fazendeiro
Nego Fubá
Encravada no baixo Rio Paraíba, a cidade de Sapé dista 53 quilômetros de João Pessoa. Boas estradas permitem a sua interligação ao litoral e ao brejo. Dada à fertilidade do seu solo, noventa por cento da zona rural é própria para a agricultura. Plantando de tudo um pouco, seus habitantes vivem de lavrar a terra. Uma policultura de baixa produção quantitativa, mas de boa qualidade. Entrada do brejo paraibano, a urbe já foi chamada de a capital do abacaxi; assim nominada, em virtude do município ser, na época, o seu maior produtor nacional. Esta condição tornava a cidade no mais importante centro nacional da comercialização desta fruta. Nos dias atuais, esta cultura é superada pela lavoura da cana de açucar, a única fonte rentável da economia primária. O seu cultivo e industrialização gera muitos empregos atendendo uma farta mão de obra. O quase insignificante manejo de roças primárias limita ao mínimo a sua produção que é usada, somente, para subsistência. Não há aferimento estatístico.
Em 1958, os camponeses sapeenses criaram a primeira liga camponesa da Paraíba. Severino Barbosa foi eleito presidente. A solenidade de fundação, realizada no Grupo Escolar Gentil Lins, na Praça João Pessoa, contou com a presença de autoridades municipais, estaduais, federais, deputados, líderes sindicalistas e religiosos, além de um representante do governador. Doutor João Santa Cruz, desembargador aposentado, deu forma jurídica à entidade. Os trabalhadores rurais, na maioria analfabetos, entenderam que, uma vez filiados à organização, investiam-se no direito de invadir e apossar-se do patrimônio de terceiros. Os camponeses não foram, devidamente, orientados sobre a finalidade da instituição. Tratava-se de um instrumento da classe destinado à luta pela reforma agrária. A entidade não imunizava o camponês, autorizando-lhe fazer, ao arrepio da lei, as reformas necessárias à cidadania. O filiado à instituição não se legitimava como legislador.
No Brasil inteiro, a agitação social sinalizava à ocorrência de violentos conflitos. Em Sapé, no período compreendido de 1959 a agosto de 1963, os atritos entre trabalhadores e patrões foram sérios. A movimentação do campesinato, assistida com certa passividade pelo governo, criava sérios problemas à segurança pública. Tendo direitos esbulhados, o patronato reagia; enquanto, os camponeses insurgentes seguiam na luta reivindicante. Mortes, por encomenda, de líderes camponeses e invasões de propriedades, industriadas pelas esquerdas, ensangüentavam a Várzea. Com um inevitável confronto, em 1963, os sapeenses elegeriam o seu prefeito. Interessava tanto à esquerda quanto a direita a ideologização da campanha eleitoral. O PSB apresentou um candidato, apoiado pelo PSD, para concorrer contra o postulante da UDN, avalizado pelo patronato. Previam-se instantes de alto risco, com inevitável instabilidade política. As partes queriam este clima.
A velha UDN, um sepulcro caiado para alguns, o astuto PSD, reduto de raposas políticas para outros, e o cinzento PSB, abrigo das esquerdas festivas, concorreram à sucessão municipal. João Claudino, comprador de algodão e banqueiro do jogo do bicho, presidia a UDN e representava as usinas; José Vitorino, apelidado de “Xambambo”, vendedor de estivas, liderava o PSD, e o proprietário rural Ivan Figueiredo, consultor das ligas camponesas no brejo, comandava o PSB. A UDN, situacionista na cidade e no estado, lançou a candidatura do usineiro Cassiano Ribeiro Coutinho, ex-prefeito do município, e do proprietário rural Abel Cunha, para prefeito e vice-prefeito. Os indicados eram respaldados pelas seguintes lideranças: senador João Agripino, comendador Renato Ribeiro Coutinho, inconteste chefe político da Várzea, deputado federal Luís Bronzeado, deputados estaduais Joacil de Britto Pereira, Flaviano Ribeiro Coutinho, João Batista Brandão e Luis Ignácio Ribeiro Coutinho, além do apoio nem tão discreto do governo estadual.
O PSB e o PSD, oposicionistas no município e no estado, coligaram-se, lançando as candidaturas de Ivan Figueiredo, para prefeito, e Joca Vitorino, filho de José Vitorino, para vice-prefeito. Ivan e Joca eram homens arremediados, agricultores e proprietários rurais. Este esquema tinha o apoio declarado governo federal, da liga camponesa – cinco mil filiados e pouco menos de mil eleitores - dos senadores Ruy Carneiro e Argemiro de Figueiredo, do ex-deputado federal José Joffily Bezerra, dos deputados estaduais Assis Lemos, Inácio Pedroza, Figueiredo Agra, Langstein Almeida, Raimundo Asfora, ex-deputado Ramiro Fernandes, desembargador João Santa Cruz, tabelião José Feliciano da Silva e de inúmeras personalidades da esquerda paraibana. A campanha foi prestigiada com a visita do ex-presidente Juscelino Kubischeck, do ministro João Pinheiro Neto, da pasta do Trabalho, de dona Célia Guevara, mãe do comandante Ernesto “Che” Guevara, herói da revolução cubana, e do deputado Francisco Julião.
RADICALIZAÇÃO
Iniciado o processo eleitoral, percebeu-se que a esquerda radicalizaria o debate. O linguajar, próprio dos socialistas, passou a ser o seguinte: usineiros reacionários, bandidos e lacaios do imperialismo americano, vendidos ao capital externo, proprietários desumanos, etc. João Alfredo Dias, “Nego Fubá”, Pedro Inácio de Araújo, “Pedro Fazendeiro”, Severino Matias de Lima, “Severino do Samdu” (estes eram funcionários do PCB - Partido Comunista do Brasil) e Severino Barbosa, além de comandarem a arregimentação, tanto na cidade quanto no campo, dos camponeses e dos operários que participavam dos comícios da campanha; decidiam, praticamente, sobre todos as suas atividades, inclusive elegiam os temas a serem enfocados. As senhoras Terezinha Vitorino, esposa de Joca Vitorino, Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira e presidente da liga camponesa de Sapé, e Zélia Maria da Silva, ativista no meio rural, conhecida com a “Nega Zélia”, ocupavam-se ainda do roteiro de visitas dos candidatos aos eleitores, da panfletagem, da hospedagem das lideranças que vinham participar dos comícios, além da ornamentação dos locais das concentrações. Mulheres valentes. 
“Nego Fuba” e “Pedro Fazendeiro”, ideólogos principais das ligas camponesas da Várzea, estagiaram em Cuba e na China - países comunistas, estudando táticas de manipulação das massas, aprendizado empregado com maestria. Figueiredo e Vitorino, desabridos nos seus pronunciamentos, juntamente com os coordenadores da campanha, usaram e abusaram da linguagem violenta, imprópria ao debate democrático. “Nego Fuba” e “Nega Zélia” eram mestres de cerimônia dos comícios e locutores dos carros de som juntamente com Natanael Irineu da Silva, conhecido como “Nato Gaivota”, Jota Barros, Biu do Samdu e Otávia Patrício. Cantando músicas da campanha, eles insultavam os adversários. Exemplo: “Chora usineiro, usineiro chora – chora usineiro, que está chegando à sua hora!” Hinos intoxicantes. O segurança  de Ivan Figueiredo, seu irmão João, era membro da polícia especial do antigo Distrito Federal. Nos início dos anos cinqüenta, ele servira como guarda costas do presidente Getúlio Vargas, sob a chefia do tenente Gregório Fortunato. Espocando foguetões ou ouvindo-se o som dos bumbos, com certeza, estava em marcha uma arregimentação de camponeses que se punham a caminho para prestigiar um evento político qualquer. A participação popular nos comícios da esquerda era fantástica, entretanto não se traduziria em votos. O analfabetismo campeava no meio rural.
Durante a campanha, Ivan Figueiredo errou feio ao afirmar que: “ganharia as eleições se Deus quisesse ou não!” A infeliz declaração repercutiu imediatamente. O eleitorado da coligação, o pessedismo tradicional do município, era católico e temente a Deus, não gostou do que ouviu. Após algumas famílias romperam, Figueiredo, na tentativa de consertar a derrapagem e reverter o estrago eleitoral, procurou Frei Damião. Ajoelhado, tomou-lhe a benção e pediu proteção. Deixou-se fotografar ao lado do santo homem, distribuindo a foto como santinho na campanha eleitoral. Uma tardia mea-culpa! Houve um atentado à bala, além de ferimento a faca peixeira, praticado, segundo rumores, pelo PM Antonio Gago, contra a pessoa de Pedro Fazendeiro, ocorrido na Avenida Getúlio Vargas, em frente à serraria de Nezinho Chaves. Fazendeiro não foi assassinado, porque os estudantes da Escola Comercial, que funcionava nas imediações, aos gritos, evitaram a consumação do crime. O agressor, à paisana, fugindo da cena do crime, fardou-se e, cinicamente, iniciou as diligencias para elucidar o atentado!
Cassiano Ribeiro Coutinho e Abel Cunha, apesar de homens amenos, revidavam aos ataques recebidos. Os candidatos da UDN mantinham-se na ofensiva, denunciando as invasões feitas pela liga camponesa em algumas propriedades rurais e, também, os atentados que resultaram em mortes. Ricos e independentes, com o apoio financeiro da usina, os candidatos distribuíam, com fartura, madeira para construção de casas, cimento, cal, pedras, tijolos, telhas, portas, material sanitário, cortes de tecidos, guarda-chuvas, sandálias, chapéus, camisas e calças com os eleitores. O prefeito João Alves Matias, o ex-prefeito Moacir Maciel, José Meirelles, Manoel Coutinho Madruga, Paulo Dutra, capitão Otacílio, Adalberto Salles de Oliveira, eram os coordenadores da campanha, responsáveis pela propaganda da UDN. Dinha e Felix Panta foram os seus locutores. As senhoras Ieda Ribeiro Coutinho, Marluce Leitão, Luiza Matias e Niomar Meireles, entre outras distintas damas, visitavam os eleitores de casa e casa, distribuindo “presentes” e arregimentando as amigas. Como sobrava dinheiro, elas faziam o necessário para ganhar o eleitor e com o seu voto vencer as eleições. Cassiano tinha um segurança, o seu motorista “Abençoado”. Um dos gritos de guerra da feminina da UDN era: “queremos passeata e a liga não empata!”
O senador João Agripino, presidente da UDN estadual, envolveu-se na campanha, participou vários comícios, prestigiando os seus correligionários e amigos pessoais. Os udenistas acusavam governador Pedro Gondim, de não manter a ordem pública, abandonar seus correligionários e de se aliar aos comunistas. Enquanto execravam o governo, a UDN sapeense controlava todas as autoridades estaduais na cidade, - do delegado de polícia, o coletor estadual, os diretores das escolas públicas, ao diretor do hospital Sá Andrade, usando-os no interesse da campanha. As atrações artísticas não existiam ainda como chamariz de povo para os comícios. O espetáculo ficava por conta da qualificação intelectual dos políticos que participavam das concentrações. Assim, oradores do quilate dos deputados Joacil de Britto Pereira e Luís Bronzeado, dos advogados Alfredo Pessoa de Lima e Sindulfo Santiago eram aplaudidos pelo udenismo sapeense. O esquema situacionista acusava o juiz Walter Rabelo Pessoa de ser comunista, estava a serviço das esquerdas. No dia da eleição houve entreveros verbais entre o juiz e dona Ieda. Para alguns, excesso de autoridade e para outros, petulância da militante!
Cassiano, Abel e Vitorino se identificavam ideologicamente. Afinal, os filiados na UDN e no PSD não tinham diferença política, eram iguais, absolutamente, em tudo. Disseram durante a campanha que Ivan, mantendo um contencioso com Renato Ribeiro Coutinho, pousava de esquerdista para manter vivo seu tora rei com a usina. Em Cuba, Figueiredo foi recebido por Fidel Castro, Camilo Cienfuegos, Che Guevara e Raul Castro, aos quais falou sobre o campo no nordeste do Brasil. Com certeza, Ivan não era um homem de convicção socialista ou um líder sindical experimentado, mas servia ao movimento camponês, em toda a Paraíba, porque era um homem destemido, de muita coragem pessoal. Enfrentava qualquer parada – comportamento que interessava às esquerdas. Porque Abel Cunha se relacionava muito bem com dezenas de membros da liga camponesa, é possível – dizem algumas testemunhas – que sessenta por cento (60%) dos camponeses votaram nele para vice-prefeito e, por sua injunção direta, quarenta por cento (40%) deles escolheram Cassiano. Divididos os camponeses, a derrota de Ivan foi inevitável.
Em 11 de agosto de 1963, os sapeenses elegeram Cassiano e Abel, prefeito e vice-prefeito do município para cumprir um mandato de quatro (4) anos, com início previsto para o dia 30 de novembro. Cassiano Ribeiro Coutinho, da UDN, obteve 2.955 votos, e Ivan Figueiredo, da coligação PSD/PSB, obteve 2.336 sufrágios - a diferença a favor do candidato vitorioso foi de 519 votos. Abel Cunha, candidato da UDN à vice-prefeito, obteve 2.877 votos e Joca Vitorino, postulante à vice-prefeito pela coligação PSD/PSB, obteve 2.334 sufrágios, sendo derrotado por 543 votos. A UDN elegeu cinco (5) vereadores, a saber: Pedro de Sousa Coutinho - 450 votos, Genival Henriques de Andrade – 424 votos, Manoel Coutinho Madruga – 408 votos, Juracy Marques Ferreira – 321 votos e Othon Barbosa Gomes – 287 votos. A coligação PSD/PSB elegeu quatro (4) vereadores, a saber: João Alfredo Dias (Nego Fuba) – 400 votos, Natanael Irineu da Silva – 272 votos, Luís Vitorino de Pontes – 222 votos e Severino Matias de Lima (Severino do Samdu) – 219 votos. 1.065 eleitores se abstiveram de votar, 64 eleitores anularam os seus votos e 142 eleitores votaram em branco.
A classe política, ansiosamente, esperava o resultado do pleito. Existia a ilusão de que a direita e a esquerda, um artificialismo dialético da época, em nível municipal, disputavam o poder naquela cidade. Vencendo candidato da UDN, estava afastado o perigo comunista! Um risco inexistente. Ganhando o postulante apoiado pela liga camponesa, a reforma agrária teria início! Um sonho irrealizável. Rematadas tolices e grandes ilusões, nada mais! Com mais vícios do que virtudes, a UDN ganhou a eleição, derrotando o PSB e PSD, principalmente este que assumiu a frágil dialética das esquerdas. Apenas, de fachada! A alguns amigos, Ivan disse que não se sentiu vencido: “cumprira uma missão do socialismo. Um determinismo histórico!” Um velho e surrado bordão. Cassiano voltou à prefeitura, onde nunca se sentiu à vontade. Abel Cunha, o imediato, assumiu o cargo em várias oportunidades, terminou elegendo-se duas vezes prefeito. Joca Vitorino deixou a política, tornou-se um sólido comerciante. A João Claudino, os louros da vitória - continuou mandando no município. A José Vitorino, o “Xambambo”, o ônus da derrota - sempre dizendo às pessoas que “chegaria o dia em que uma roda grande passaria por dentro de uma roda pequena”. Uma utopia do velho guerreiro. 
Vitorino e Claudino foram leais chefes políticos!

Fonte: Correio da Paraíba

Redação: Brejo.Com



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“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada. É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.”
Carlos Drumond de Andrade