sábado, 8 de outubro de 2011

Paralelo entre a guerrilha do Che na Bolívia e a Guerrilha do Araguaia:

Neste trecho de meu livro, faço um paralelo entre a guerrilha do Che na Bolívia e a Guerrilha do Araguaia:
“Outra questão a ser pesada é a visão artesanal que o PC do B adotava, tanto em relação ao trabalho político, quanto em relação às tarefas militares. O famoso reco-reco, que se arrastava pelo meio da mata é um exemplo claro dessa concepção. Uma herança dos anos 30 e 40, ele imprimia panfletos para uma população de analfabetos. Supõe-se que era acompanhado de uma máquina de escrever e que fazia parte da equipagem da Comissão Militar. O partido estava enfrentando a ditadura militar com os mesmos recursos que havia usado contra a ditadura de Vargas.
A oficina mecânica era outro exemplo. Um torno movido a pedal, que era transportado pelo meio da mata. É interessante fazer um contraste com a guerrilha do Che na Bolívia. Lá, durante a preparação, os guerrilheiros se instalaram numa fazenda que servia como local de treinamento e era acessada por jipes. Contavam ainda com uma estação de rádio. O armamento incluía metralhadoras, fuzis M-1 e pistolas mausers.
No Diário da Guerrilha, Che narra o resultado de uma emboscada, em 23 de março de 1967:

“ ... Às oito e tanto chegou Coco numa correria para informar que havia caído um seção do exército na emboscada. O resultado final foi, até agora, 3 morteiros de 60 mm, 16 mausers, 2 Bz, 3 Usis, 1.30, dois rádios, botas, etc. 7 mortos, 14 prisioneiros ilesos e 4 feridos, mas não conseguimos capturar víveres. Capturou-se o plano de operações ...”
Em maio de 67, é feito um balanço mensal: três novos combates, causando baixas no exército, sem nenhuma baixa dos guerrilheiros. Em relação à população:
“ Falta completa de incorporação camponesa, embora estejam perdendo o medo de nós e se consiga a admiração deles. É uma tarefa longa e paciente.”
Em junho, novo balanço. Pequenos combates, causando ao exército 4 mortos e 3 feridos.
“Continua se sentindo a falta de incorporação camponesa. É um círculo vicioso: para conseguir esta incorporação precisamos exercer nossa ação permanente em território povoado e para isso necessitamos de mais homens.”
Em julho: três choques com o exército, causando 7 mortos e 10 feridos entre as tropas. Os guerrilheiros perderam dois homens e tiveram um ferido. A população camponesa não se incorpora, apesar de alguns sinais favoráveis.
Agosto foi o pior mês, até aquele momento. Dois mortos, uma deserção e a perda de todos os esconderijos, com documentos e medicamentos.
“ Continuamos sem incorporação camponesa, o que é lógico se se tem em conta o pouco contato que
tivemos com eles nos últimos tempos.”
Em setembro, os guerrilheiros sofreram uma emboscada, perdendo quatro homens. Em pequenos encontros, mataram um soldado e feriram outro.
“ ...o exército está mostrando mais eficácia em sua ação e a massa camponesa não só não nos ajuda em nada como se converte em delatora.”
Em outubro, Che foi morto e a guerrilha derrotada, após 11 meses de combate. Ficam evidentes as diferenças entre o Araguaia e a guerrilha boliviana. Melhor armados, os combatentes brasileiros poderiam ter enfrentado de igual para igual as tropas de recrutas inexperientes que foram lançadas contra eles nas primeiras campanhas. Poderiam ter capturado armas, munições e suprimentos. Provavelmente, teriam uma maior adesão da população.
Entre a segunda e a terceira campanha, eles conseguiram um dos objetivos visados pela guerrilha boliviana: “exercer uma ação permanente em um território povoado”. Esta vantagem não foi potencializada. Os guerrilheiros deveriam ter tentado criar um governo local, formado milícias, cobrado impostos, bloqueado estradas e impedido a infiltração de estranhos. Deveriam ter atacado mais postos, tomado armas, rádios e veículos. Era a ocasião de fabricar minas e armadilhas.
Em minha opinião, enquanto o exército ia adaptando sua tática às circunstâncias, os guerrilheiros ficaram presos a modelos teóricos que não se aplicavam à sua realidade. Na atuação política do partido, uma inflexão tática exige um longo trabalho de elaboração e de convencimento. Transpostos para o terreno militar, os métodos de direção política revelaram-se inadequados. Esta falta de agilidade fica evidente nas oscilações relativas às mudanças de áreas de atuação e de fusão dos destacamentos.
Antes do ataque de Natal, os guerrilheiros deveriam ter abandonado a área do destacamento BC, já que era evidente que os soldados estavam entrando na mata e poderiam ter informações preciosas, graças aos desertores. A inadequação do modelo de comando militar ficou evidente e foi decisiva para a derrota militar da guerrilha.
Depois do ataque, a avaliação de que os guerrilheiros poderiam continuar atuando em pequenos grupos era totalmente irrealista. Não tinham armamento suficiente nem suprimentos, a ligação com a rede de apoio estava totalmente rompida e a iniciativa era toda do exército.
Era preciso romper o cerco, tomando barcos ou outros veículos que possibilitassem abandonar a região. O Rio Araguaia era uma barreira natural muito difícil de ser transposta e as estradas estavam cheias de barreiras. Mas não era impossível escapar, como Arroyo e Zezinho demonstraram.
Mais uma vez, o que pesou na decisão foi a questão política: o partido se recusava a admitir que fora derrotado. Esta era uma avaliação que nem a Comissão Militar, nem o partido nas cidades estavam prontos para fazer.
Podemos dizer que a guerrilha do Araguaia foi o coroamento lógico da trajetória do PC do B. Embora ele reivindique ser uma continuação das tradições revolucionárias do Partidão, uma refundação, o que aconteceu foi um corte. O grosso da direção, dos militantes e dos movimentos de massa permaneceu sob a influência do PCB.
Dentro das condições de repressão criadas após o AI-5, era duvidoso que ele conseguisse sobreviver estruturado, mesmo se não tivesse optado pela luta armada. Hoje sabemos que o momento político não foi o mais adequado. Entretanto, depois de implantar e treinar três destacamentos, levar parte da direção para as selvas do Araguaia, não existia a opção de recuar. A deflagração da guerrilha era inevitável.
A escolha do local acabou privilegiando o aspecto militar, em detrimento do aspecto político e de massas. Não se pode dizer, contudo, que havia uma visão militarista. Pelo contrário, as providências mais básicas como: armas, meio de comunicação, treinamento adequando e logística sofreram de um profundo amadorismo e eram artesanais.”

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“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada. É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.”
Carlos Drumond de Andrade