terça-feira, 20 de março de 2012

Bianor Ribeiro, delegado de Trabalho de Jango que enfrentou o empresariado


Por Rogério Medeiros

Foto: Reprodução

Junto com o Breder, da reforma agrária, ele foi o esquerdista mais atuante em favor das reformas de base. Seu nome: Bianor Ribeiro, surpreendido pelo golpe militar quando estava à frente da Delegacia Regional do Trabalho, DRT. Foi o primeiro delegado do Trabalho a enfrentar o empresariado. Passou o seu período na DRT com o empresariado pressionando o governo de Jango para tirá-lo do cargo.

Ele era um esquerdista convicto e duro na relação com as elites. Ruim também na relação com o próprio meio, pois era muito exigente com os companheiros. Principalmente dirigentes sindicais de trabalhadores acostumados a transigir com o empresariado. Teve uma atuação importante na organização dos sindicatos, na cidade e no campo.

Depois do golpe militar, sofreu tenaz perseguição dos militares, a maioria instigada pelas elites. Passou, praticamente, os últimos 20 anos (estamos em 84 quando ele concede essa entrevista) sob vigilância absoluta dos militares. Pagou o alto preço pelo confronto com o conservadorismo capixaba: seu isolamento até a morte.

Rogério: - O golpe militar pega você como delegado do Trabalho?

Bianor: - Cheguei para a Delegacia do Trabalho em 62. Acho nessa época a esquerda ainda era relativamente fraca. O trabalho na DRT era morno. Mas aí veio para o Estado o dr.Augusto Calmon (ele foi o principal dirigentes da Frente de Mobilização Popular), trazendo com ele um capitão do Exercito. Esse capitão servia no Ministério do Trabalho. Veio me pedir para entrar na campanha pelas reformas de base. Em especial a reforma agrária. Começamos a movimentar os sindicatos. Andávamos aí por 1962 e 63. Fomos para as ruas, para os bairros, para o interior, levar as reformas de base. No inicio, confesso, foi uma pregação no deserto, mas depois começou a surtir os seus efeitos.

- Quem eram os seus companheiros?
- Olha, nessa jornada, mais permanente era o dr. Augusto, o Mármore, o Breder, agora havia também nos sindicatos uma certa reação, porque o peleguismo imperava, eu lutei muito para erradicar do sindicalismo aqui em Vitória essa corrente anticolega, peleguista mesmo. Dentro da Federação dos Trabalhadores na Indústria eu tive uma luta terrível porque os elementos que estavam na direção da federação eram ligados aos Buaiz, principalmente o Luís Buaiz, não aos outros, porque o Zé Buaiz é uma criatura que eu considero muito, mas o Luís fazia um trabalho de arranjar empregos, quer dizer, empregava uma filha de um elemento daquele e acertava a coisa, mas eu bati o pé mesmo.

- Cite um dirigente sindical que se destacou nessa época...
- Vários, mas destaco Telmo Sodré. Ele teve um problema, ou melhor, foi cassado, então essa campanha nós íamos fazendo. Viajamos muito, fomos até a divisa com a Bahia, Minas, lá em Barrinha. Mas é todo um trabalho sem caráter ideológico, era um trabalho normal, dentro de um regime que se lutava por reformas em geral e especialmente reforma agrária.

- E como começa a se organizar? Essa iniciativa sua, segundo consta, é o embrião do movimento de mobilização popular. É verdade?
- O dr. Augusto depois fundou essa campanha, que aliás eu não participava, falava lá às vezes, não participava da direção porque era da DRT. Tinha também o Conselho Sindical. Era bem organizado, eram as figuras mais representativas do sindicato. Manuel Santana é uma das pessoas que nós confiamos, Oswaldo Mármore, Telmo. Os militares aceitaram Delsira, inspetora do trabalho hoje e exercendo suas atividades lá em Vila Velha, para o meu lugar. Então, o movimento era no sentido de forçar a barra, no sentido de mobilização popular, lutar pelas reformas de base. O Conselho era espécie de CGT.

- Vocês organizaram o Conselho Sindical, a Frente de Mobilização Popular, na cidade atacaram os pelegos, e no campo?
- Vamos dizer assim: sindicalismo rural, criando até sindicatos rurais, eu cheguei a criar sindicatos rurais. Mas no campo o Breder esteve sempre à frente. Nós levávamos as reformas de base. Quero saber quando você fala do esquerdismo. Esquerdismo como se classifica hoje, muito embora nós estivéssemos nessa posição, mas era uma questão de estar, mas sem aquela consciência, como se formou hoje, como se parece hoje, então se primar o direito do trabalhador, se primar por uma fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas, no comércio, na indústria de um modo geral, é ser esquerdista, então nesse caso é verdade, já eu era esquerdista, porque minha posição foi essa.

 
Foto: Reprodução
- E a DRT estava habituada a defender os interesses dos trabalhadores?
- Aí é que está o negócio... não sabe vai falar, vão ofender, e o meu objetivo não é esse, mas o delegado que me antecedeu foi o Carlito... esse era uma criatura boa, rapaz muito bom, pessoa que também pode ser ouvida, inteligente ele, e participou, o Carlito afastou-se com medo da Delegacia do Trabalho ser entregue a um elemento pior do que aqueles que nós havíamos conhecido... então eu perguntei: você vai permanecer ou não? Meu objetivo é que você continue, mas ele era antijanguista, era janista... então, com o afastamento do Jânio, o Jango assumiu, então eu fiquei com medo dele fazer qualquer coisa e ir bater na mão de gente pior... era um cara honesto, mas puxava para um lado das classes empresariais, ele não fazia o jogo delas, mas não queria melindrar, não queria ferir os interesses.

- Segundo você, não existia na prática um movimento esquerdista, existia um movimento unificado em favor das reformas de base. É isso que você quer dizer?
- E embora o PCB estivesse atuando, mas era restrito, não era vanguarda do movimento. Já o PTB, na época, era um partido de massa, de trabalhadores, mas não funcionava nesse sentido. Mas se valia do voto do trabalhador para se projetar politicamente, mas na realidade tinha era esse Argilano Dario, toda essa gente, e se bandeou lá pra outro partido, gente que nunca fez nada para trabalhador.

- Como era a relação da DRT, com você à frente, com o empresariado?
- Vou começar pelo PTB. Ele não existia no movimento popular. Agia apenas como partido político correndo atrás do voto do trabalhador. Tinha a pretensão de conseguir me tirar da frente da DRT, justamente por eu ser um homem de esquerda. E olha que eu fui filado dele. Mas tiveram que me engolir. O Jango me segurou na DRT.

- Do outro lado era quem, Rubens Rangel?
- Tinha lá esse pessoal. Mas acontece que quem falava mesmo em nome do povo, quem defendia os interesses do trabalhador e operário era o Ramon. Quanto a isso não há qualquer dúvida. Ele sempre foi muito rico, era médico em Colatina e tem um hospital no Rio. Agora, você sabe, como é que é, depois do Golpe veio aquela carga cerrada contra nós. Principalmente em cima de mim e do Ramon. Ramon então foi cassado logo na primeira lista.

- Como é que o Chiquinho(Lacerda de Aguiar, governador do Estado na época do golpe) se comportou?
- O Chiquinho já estava contra, ele queria me ver lá dentro, porque havia coisas, nesse caso a gente tem que contar certos fatos, tinha o major, hoje coronel, tá vivo, são, ele é testemunha, porque naquela época o delegado se submetia inteiramente a esse pessoal, ao governo do Estado... eu achava que não tinha nada com o governo, era delegado do Trabalho e não tinha de prestar nenhuma obediência ao dr Chiquinho, que era um homem tido e havido aí como bom, humanitário, mas na realidade... ele não tirava nada, tirava para dar para o Estado; todo mundo sabe disso, bom, e o jogo dele era um jogo também um pé no barco outro em terra... quer dizer, quando havia reunião no palácio, a reunião seria num sábado, justamente para discutir esse aumento tarifário das empresas de ônibus, é uma coisa que eu vou citar.... é uma criatura boa, tá doente também, não interessa fazer... Mas o pessoal das empresas queria um aumento, conseguiria um aumento, mas não naquilo que reivindicavam, mais ou menos 20%... a classe reivindicava um percentual já pré-estabelecido, 20% na hipótese... eles então estavam prontos a conceder o empréstimo, mas dobrando para 40%, eu não concordava com isso, ia de encontro ao interesse do povo, porque era ele que pagava mais passagem. Pra discutir o aumento tarifário no palácio do governo, inclusive com o prefeito, que era o Sólon Borges, falsos profetas que estavam caí, então eu recebi um recado do dr. Chiquinho... quem trouxe foi esse major Macedo, por sinal uma pessoa excelente. Disse: eu trago um recado do dr Chiquinho para o senhor comparecer na reunião de sábado, sem falta, às 10 horas. Eu disse: o senhor tem a bondade de entrar para o meu gabinete, que alias eu só ia a gabinete em casos especiais... o senhor vai transmitir ao senhor governador que recado eu não aceito nem do meu superior hierárquico, que é o ministro... que ele venha pelos canais competentes, e não vai me levar a mal pela minha atitude, que não tem nada a ver com a sua pessoa, que eu conheço e sei que se trata de um homem de bem, mas acontece que eu não posso aceitar recados do governador... Então ele mandou um ofício, o major então veio entregar o ofício e eu estava coincidentemente entrando na delegacia e lhe disse: o senhor faz o seguinte, dá entrada no protocolo, ele foi lá e deu entrada. Bom, no sábado eu compareci a essa reunião, o Chiquinho não estava, tinha ido para Guarapari cheio de mulheres e deixou Zé Eduardo; estou lá com representantes de CGT, Sindicatos dos Rodoviários, então, interessante que eu vou falar isso, mas até quero que você cite isso, então o Zé Buaiz ficou na mesa dirigindo os trabalhos, no lugar do governador, e começou a dar soco na mesa, ele deu o primeiro soco na mesa, deu o segundo, deu o terceiro, mas o quarto quem deu fui eu; e ele ficou invocado e lhe disse que não era esse o meu hábito, mas essa atitude está intimidando o pessoal aí, está todo mundo aí com a cabeça entre as pernas, o senhor começa a dar soco em cima da mesa... ele concordou, se desculpou, esse acordo sindical não foi concretizado, dependia do meu aval, de eu sancionar; então a imprensa abriu as baterias. "A Gazeta", por causa desse acordo sindical, um acordo que não podia ser feito como a classe empresarial queria, os números eram altos, e eles queriam ainda arrancar mais do povo para dar o aumento, já nesses 20% que o operário pediu já dava condições.

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“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada. É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.”
Carlos Drumond de Andrade