Paulo Oisiovici |
Havíamos concluído a longa marcha que iniciamos a partir do "Veredão", atravessando capões de cerrado fechado, pântanos, brejos e quase intermináveis estradas arenosas, com pesadas mochilas às costas. Estávamos em frente a uma porteira de varões, de onde avistávamos uma grande casa de adobos, sem reboco, coberta com palhas de buriti.
O latido rouco de um cão magro anunciara a nossa presença, fazendo compadre Esperidião apressar-se em chamar pelo dono da casa:
- Seu Massú! Seu Massú!
Não ouvimos resposta alguma.
O murmurar de diferentes vozes nas proximidades e a modesta claridade de um candeeiro, denunciaram-nos uma reunião de pessoas numa outra casa, bem próxima àquela.
- Estão na reza, na casa de Zé! - deduziu Esperidião.
Dirigimo-nos então, à casa de onde vinham as vozes. A casa à beira da estrada, era uma réplica da que tínhamos visto antes, apenas menor. O latido de outro cão avisava que havia gente no terreiro. E, Esperidião, por ser um deles, adentrou-se e anunciou a minha chegada. Vi então, um homem amadurecido pelos anos e cujos traços étnicos revelavam ser um caboclo, se aproximar de mim:
- Vamos chegar... É o senhor que se chama Paulo?
Assim me receberam seu Massú e José, seu filho e dono da casa.
Adentrei-me sob os olhares curiosos das crianças, jovens e anciãos, alí reunidos para quebrar a solidão daquele lugar com o ritual secular da reza. Pois, "com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve", como disse o saudoso mineiro que apreendeu o dialeto dos cerrados brasileiros e o incorporou a nossa literatura, utilizando um estilo próprio para reinventar o mundo mítico dos sertões dos Gerais.
Havia entregue a seu Massú, uma carta do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Correntina-BA, posseiro na localidade e muito seu amigo, que me apresentava, explicava o que me levava àquele lugar e solicitava minha hospedagem. Após um breve pedido de silêncio, seu Massú entregou a carta a seu filho e lhe pediu que lesse em voz alta para que todos os presentes soubessem do que se tratava. A pouca familiaridade do leitor com o tipo de texto usado, fez a leitura da carta se tornar demorada o suficiente para que eu pudesse ler aqueles rostos e olhares iluminados pela pouca luz de um candeeiro.
Os rostos dos anciãos traziam as marcas da dureza das experiências vividas, dos caminhos já percorridos, atestando que "viver é muito perigoso (...). Carece ter muita coragem". O ambiente, mesmo penumbrado, me permitia enxergar a pobreza material ofuscada pelo brilho no olhar das crianças ávidas por novidades, por descobertas que comprovassem a existência de um mundo diferente daquele.
Esse foi o meu primeiro contato com a comunidade de Couro de Porco, nos Gerais de Correntina e com o seu povo, que guardam uma rica e conflituosa história.
(Diário de Paulo Oisiovici, 21 de setembro de 1982).
O latido rouco de um cão magro anunciara a nossa presença, fazendo compadre Esperidião apressar-se em chamar pelo dono da casa:
- Seu Massú! Seu Massú!
Não ouvimos resposta alguma.
O murmurar de diferentes vozes nas proximidades e a modesta claridade de um candeeiro, denunciaram-nos uma reunião de pessoas numa outra casa, bem próxima àquela.
- Estão na reza, na casa de Zé! - deduziu Esperidião.
Dirigimo-nos então, à casa de onde vinham as vozes. A casa à beira da estrada, era uma réplica da que tínhamos visto antes, apenas menor. O latido de outro cão avisava que havia gente no terreiro. E, Esperidião, por ser um deles, adentrou-se e anunciou a minha chegada. Vi então, um homem amadurecido pelos anos e cujos traços étnicos revelavam ser um caboclo, se aproximar de mim:
- Vamos chegar... É o senhor que se chama Paulo?
Assim me receberam seu Massú e José, seu filho e dono da casa.
Adentrei-me sob os olhares curiosos das crianças, jovens e anciãos, alí reunidos para quebrar a solidão daquele lugar com o ritual secular da reza. Pois, "com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve", como disse o saudoso mineiro que apreendeu o dialeto dos cerrados brasileiros e o incorporou a nossa literatura, utilizando um estilo próprio para reinventar o mundo mítico dos sertões dos Gerais.
Havia entregue a seu Massú, uma carta do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Correntina-BA, posseiro na localidade e muito seu amigo, que me apresentava, explicava o que me levava àquele lugar e solicitava minha hospedagem. Após um breve pedido de silêncio, seu Massú entregou a carta a seu filho e lhe pediu que lesse em voz alta para que todos os presentes soubessem do que se tratava. A pouca familiaridade do leitor com o tipo de texto usado, fez a leitura da carta se tornar demorada o suficiente para que eu pudesse ler aqueles rostos e olhares iluminados pela pouca luz de um candeeiro.
Os rostos dos anciãos traziam as marcas da dureza das experiências vividas, dos caminhos já percorridos, atestando que "viver é muito perigoso (...). Carece ter muita coragem". O ambiente, mesmo penumbrado, me permitia enxergar a pobreza material ofuscada pelo brilho no olhar das crianças ávidas por novidades, por descobertas que comprovassem a existência de um mundo diferente daquele.
Esse foi o meu primeiro contato com a comunidade de Couro de Porco, nos Gerais de Correntina e com o seu povo, que guardam uma rica e conflituosa história.
(Diário de Paulo Oisiovici, 21 de setembro de 1982).
Gostei. Agora gostaria de saber o motivo, pelo qual vc foi enviado a Couro de Porco. Se vc não se importar. vlw.
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