O Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, afirmou que a Comissão da Verdade deve investigar as empresas privadas que financiaram a ditadura civil-militar. Abrão sugeriu a formação de 12 comitês especiais que também apurariam, dentre outras coisas, os atos de terrorismo de Estado –como o atentado ao Riocentro– e o apoio de outros países ao regime, em especial na Operação Condor.
Recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 7.376, que cria a Comissão da Verdade, deve ser votado nesta terça-feira (18/10) no Senado. De acordo com o projeto, a comissão terá a função de “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 1946 a 1988”. Ela não poderá, no entanto, punir os criminosos.
Ainda assim, Abrão afirma que a comissão pode ajudar a constituir um conjunto de provas contra os assassinos e torturadores do regime. Para ele, um dos principais pontos positivos do projeto atual é justamente a possibilidade de se atribuir autoria aos crimes cometidos. “Sem justiça, a verdade é inalcançável”, disse, ressaltando a importância da luta pela punição dos criminosos.
O secretário afirmou ainda que nenhum militar deve ser chamado para compor a Comissão e sugeriu que a presidenta Dilma realize um processo de consulta pública para a escolha das sete pessoas que formarão o grupo. “Não pode, não deve haver militares na Comissão”.
As afirmações foram feitas durante debate na Assembleia Legislativa de São Paulo no dia 08/10 (sábado). Participaram também a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) e os professores Edson Teles, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e Paulo Arantes, da USP. O debate faz parte da série de encontros “Ditadura, democracia e resistência para Quem”, organizada pelo coletivo político Quem.
“Alguém tem dúvida do Sarney?”
Erundina, que fez sua fala logo após a de Abrão, não poupou críticas ao projeto e ao governo. Segundo ela, a votação na Câmara teria sido feita a toque de caixa para que o projeto não fosse nem alterado, nem discutido. “O projeto entrou na câmera, em maio de 2010. De lá pra cá, nada mais aconteceu a não ser uma votação improvisada, em uma sessão de final de noite, em regime de urgência urgentíssima”.
A deputada elogiou a presença de um representante do Ministério da Justiça no debate, mas lamentou que o diálogo com o governo não tenha acontecido antes. “Lamento a ausência de Paulo Abrão em outros momentos. Ele traz informações do Ministério da Justiça que não tivemos desde que o projeto entrou na Câmara”, disse. “Quem sabe agora o governo tenha percebido que não dá pra fazer as coisas como ele vinha fazendo.”
Autora de várias emendas que alterariam diferentes pontos do projeto –todas rejeitadas pela Câmera–, Erundina criticou o número reduzido de integrantes da comissão, previsto pelo projeto. “É um absurdo que uma comissão responsável por cobrir todo o país tenha só sete membros e 14 funcionários”.
Ainda mais enfática, a deputada sugeriu que a composição demasiadamente heterodoxa da base de apoio do governo, que contaria inclusive com ex-apoiadores da ditadura, é uma das causas pelas quais o projeto de lei seria tão problemático. “Os governos do PT têm uma base de sustentação tão larga, tão heterogênea, que contam até mesmo com aqueles que patrocinaram e promoveram a tortura, os assassinatos e os desaparecimentos. Alguém tem dúvida do Sarney?”.
Para a votação desta terça-feira no Senado, Erundina afirmou que mais uma vez nenhuma alteração deve ser aceita. “Se o governo agiu desta forma até agora, não tenhamos ilusões de que será diferente no Senado. Uma virgula sequer será alterada, porque senão o projeto voltaria para a Câmara.”
“Quem foi que deu o golpe?”
Para o professor Edson Teles, o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade é marcado pelo casuísmo. Isto porque ele foi enviado ao Congresso dias antes de a Corte Interamericana de Direitos Humanos se reunir para decidir o Caso Araguaia. Além disso, Teles lembrou que o projeto ficou parado na Câmara por um ano e quatro meses e só foi enviado para votação às vésperas do discurso de abertura da reunião anual da ONU, feito por Dilma.
Na opinião do filósofo Paulo Arantes, os trabalhos da Comissão da Verdade deveriam se pautar pela pergunta que dá nome ao coletivo político organizador do debate, o grupo Quem. “Quem foi que deu o golpe? Contra quem? Quem chamou [os militares]?”. Segundo Arantes, “não nos interessa apenas a identidade dos perpetradores de atrocidades e violações, mas interessa também saber quem acobertou, quem financiou, quem se beneficiou, quem encomendou a política de extermínio”.
por Daniel Nagase, Dario de Negreiros e Rafael Schincariol
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