Por *Osvaldo Bertolino
A decisão da juiza Marceli Maria Carvalho Siqueira de restituir os diretos doa camponeses do Araguaia tem um sentido histórico. Ao mesmo tempo ela restitui o valor da democracia, da justiça e dos direitos humanos fundamentais. Essa é a opinião de algumas pessoas que participaram diretamente do processo de luta para revogar a decisão liminar que privou os camponeses vítimas do banditismo do Estado quando a Guerrilha do Araguaia combateu o regime discricionário de 1964 de ter acesso às indenizações aprovadas pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
O cancelamento da decisão liminar que impedia a aplicação da anistia aos camponeses do Araguaia espelha uma época da vida brasileira. Como caracterizou o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, reflete o novo momento político em que vive o Brasil. Exprime o sentimento de justiça sobre a angústia dos que defendem o progresso social, dos que prezam as instituições democráticas.
Os camponeses do Araguaia que viram seu direito líquido e certo temporariamente usurpado por aventureiros que insistem em carregar a bandeira do banditismo que os vitimou são protagonistas de atos que denunciaram os inimigos do povo e que, de cabeça erguida e consciência clara, como mostraram no documentário “Camponeses do Araguaia — a Guerrilha vista por dentro” (veja abaixo), apoiaram o ideal de justiça social dos que ali lutaram.
Robustez
Basicamente, são essas as opiniões dos envolvidos no processo ouvidos pelo Portal Grabois. Para o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, a vitória é significativa na medida em que o Poder Judiciário convalida a compreensão e os critérios do processo adotados pela Comissão de Anistia. “Nossa decisão está baseada em intenso trabalho de pesquisa, com três incursões que fizemos na região em 2008 e 2009, acompanhados de convidados da sociedade civil, de outras áreas do governo e do movimento dos perseguidos políticos, além de documentos produzidos pelo Ministério Público federal e por historiadores”, disse ele.
A ação impetrada contra a decisão da Comissão de Anistia tentou obstaculizar o direito de cidadãos que tiveram suas vidas alteradas radicalmente quando o Estado relativizou direitos fundamentais, constatou. “Para combater os guerrilheiros, houve violação desses direitos de praticamente todos os que viviam naquele entorno. Muitos foram afastados do convívio familiar, tiveram seus pertences confiscados e suas residências destruídas. Outros foram escravizados para ajudar a repressão. Agora, com essa decisão o Brasil faz um pouco de justiça. Temos ainda mais de 269 casos em análises, que estavam paralisados por precaução da Comissão de Anistia, que serão retomados. Do ponto de vista judicial, pode haver recurso, mas como trata-se de uma tramitação de mais de dois anos foram tomadas medidas que resultaram em uma ação eivada de robustez, que muito dificilmente terá o resultado alterado”, complementou.
Memória
Aldo Arantes, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que acompanhou o caso de perto afirma a vitória contra a liminar representou um ato de justiça. “A ação popular contra os camponeses tinha caráter ideológico. Foi uma iniciativa da extrema direita contra os camponeses do Araguaia, contra o PCdoB e contra a democracia. Foi, além do mais, um entrave para a Comissão de Anistia, que ficou paralisada durante esse tempo. A extrema direita quer impedir que a verdade vem à tona. O mesmo vem ocorrendo agora no episódio da Comissão da Verdade”, disse ele.
Por tudo isso, afirma Aldo Arantes, a restituição dos direitos dos camponeses representa uma conquista fundamental. “Primeiro porque eles foram vítimas da repressão. Foram presos, torturados e expulsos de suas propriedades. E o mais grave: a violência deixou sérias seqüelas físicas e psicológicas. Foi, portanto, uma vitória significativa, pela qual se empenhou o PCdoB e a Associação dos ex-torturados do Araguaia. Eu me empenhei nessa causa, assim como o doutor Cezar Britto, ex-presidente da OAB Nacional, a OAB do Rio de Janeiro e os advogados e dirigentes da “Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia”. Foi, enfim, uma conquista da democracia”, comemorou.
Para Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, “ao sustar a ação provocadora capitaneada pela direita que suspendia a decisão do ministério da Justiça e da Comissão de Anistia concedendo direitos aos camponeses do Araguaia que lutaram pela liberdade e pela democracia em nossa terra, a juíza Marceli Maria Carvalho Siqueira recuperou a verdade dos fatos e manteve a decisão original”. Renato Rabelo realçou a importante participação do advogado Cezar Britto, “que mais uma vez deu sua contribuição à recuperação da memória histórica da luta popular que levou — ao lado de tantas outras lutas de resistência — ao fim da ditadura que infelicitou o país por mais de duas décadas”.
Atrocidades
Sezostrys Alves da Costa. Dirigentes da “Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia” diz que essa decisão reforça as palavras do ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, que esteve na região para pedir perdão pelos crimes que o Estado cometeu contra os camponeses. “Não vai superar a dor e as perdas, mas ameniza. São pessoas idosas, que merecem ser indenizadas para ter uma vida melhor. A decisão também destrava o trabalho da Comissão de Anistia e volta a dar fôlego ao processo de reconhecimento dos direitos dos demais camponeses”, destacou.
Sobre a possibilidade de restituição da limitar, Sezostrys Alves da Costa diz que seria um grande retrocesso. “Não acredito na restituição da liminar, apesar das tentativas da ação original. Digo isso pelo nível de construção jurídica que construímos para derrubar a liminar original. O envolvimento do doutor Cezar Britto, da OAB do Rio de Janeiro e dos advogados da Associação construiu uma peça de defesa com sólidos argumentos contra os que querem impedir o cumprimento da decisão a favor dos camponeses do Araguaia”, analisou.
Vandré Fernandes, diretor do documentário “Camponeses do Araguaia – a Guerrilha vista por dentro”, afirma que fazer justiça àquelas pessoas é um direito elementar. “Quando estive na região com a equipe que fez o documentário pude constatar quantas atrocidades foram cometidas ali. Captamos um pouco dessa realidade, mas ainda longe de expressar exatamente o que representou a ação delituosa do Estado quando os camponeses, nas mãos do Estado, sofreram as mais terríveis torturas e humilhações. É com um sentimento de alegria que recebo a notícia de que a liminar foi revogada. Compartilhamos o sentimento de justiça dessa decisão”, comemorou.
Veja o documentário “Camponeses do Araguaia — a Guerrilha vista por dentro”:
Osvaldo Bertolino Osvaldo Bertolino é jornalista, pesquisador da Fundação Maurício Grabois e editor do portal desta instituição (grabois.org.br).
Via DOCUMENTO DITADURA - Fórum facebook
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