sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Durante a ditadura: Padre diz que foi expulso do Brasil porque não rezou duas missas

 
Trinta e um anos após ser expulso do Brasil sob a alegação de infringir a Lei de Segurança Nacional e o Estatuto do Estrangeiro, o padre italiano Vito Miracapillo, 64, disse que a recusa em celebrar duas missas foi a desculpa encontrada pelos militares para cancelar seu visto permanente no país.

“O problema das missas [alusivas ao dia da Independência do Brasil e ao dia de emancipação da cidade de Ribeirão (PE)] foi somente um pretexto para me expulsar do Brasil. O motivo real foi o trabalho que eu realizava de apoio na pastoral da terra para posse de áreas para os camponeses”, afirmou o religioso, que trabalhou como pároco de Ribeirão (87 km de Recife) entre os anos de 1974 e 1980.

Segundo Miracapillo, donos de terra e políticos da região da Mata Sul de Pernambuco observaram que o seu apoio aos camponeses dava força à luta pela posse de terras. Para o padre, com a sua saída da pastoral da terra, o movimento perderia força.

Miracapillo fez questão de enfatizar que, enquanto atuava no Brasil, nunca pertenceu a partido político ou sindicato e estava à frente da paróquia de Ribeirão sempre trabalhando a favor dos pobres.

“O que me preocupava era a vida do povo e aquilo que precisava transformar para as pessoas terem uma vida digna. Na hora da separação, eu estava chorando. Aquilo foi um problema de grande sofrimento não só para mim, mas para o povo todo que botou o sinal de luto lá na igreja de Ribeirão e em todas as casas. Foi como sentir a morte”, disse.

O padre chegou ao Recife na última terça-feira (3) para revalidar o visto permanente de estrangeiro na Polícia Federal (PF) da capital pernambucana. A previsão é de que até a próxima semana Miracapillo se apresente à PF com os papéis para ter o visto permanente de volta e, assim, poder permanecer o tempo que quiser no Brasil.

Para ele, a revisão do processo e a revalidação do visto permanente no Brasil foram exemplos de que o Brasil mudou com o fim da ditadura e se tornou um país democrático. “É uma grande alegria porque se fez Justiça no dia 16 de novembro de 2011. A revalidação é a prova que a intolerância do poder público acabou com o fim da ditadura, e seu povo vive a liberdade”, disse.

O processo

Em carta ao prefeito da cidade à época, Salomão Correia Brasil (antigo PDS), e aos vereadores da Câmara de Ribeirão, Miracapillo destacou que não havia motivo para celebração de missas de ação de graças numa região onde ainda existiam pessoas que viviam trabalhando como escravos ou semiescravos.

O padre foi denunciado por Salomão Brasil e pelo deputado estadual da época e atual prefeito de João Alfredo (PE), Severino Cavalcanti (PP), ao Ministério da Justiça pelas recusas serem consideradas “um afronto à pátria”. Dias depois os membros do STF (Supremo Tribunal Federal) confirmaram a decisão de expulsar o padre do Brasil, por 11 votos a zero.

O padre comentou que perdoou as pessoas que encabeçaram o processo para expulsá-lo do país e disse não haver problemas em encontrar-se com Cavalcanti, que já foi deputado federal e durante o período em que esteve em Brasília se envolveu em denúncias de corrupção. Em alguns momentos, ele se referiu a Miracapillo como “padre subversivo”.

“Não conservo mágoa de ninguém, porque acho que o problema não era de relacionamento pessoal, mas era uma questão de regime. Para mim não havia nenhum problema em encontrá-lo [Severino Cavalcanti] e apertar a mão também. Porque sou padre, sou pessoa humana”, disse.

Desejo de ficar

Apesar de ter ficado três décadas trabalhando em outra diocese, na Itália, o padre afirmou que quer retomar os trabalhos na Diocese de Palmares, que pertence à paróquia de Ribeirão.

“Meu desejo é voltar e ficar no Brasil trabalhando, continuando aquele trabalho que a gente estava fazendo. É claro que, sendo padre, é o bispo da diocese de onde a gente trabalha é quem tem de autorizar”, disse Miracapillo, destacando que a Diocese de Palmares deve entrar em entendimento com a Diocese da cidade de Canosa, na Itália, para decidir o destino dele.

“O problema de todo bispo é não perder os padres que tem. Sou pároco de uma grande paróquia da minha diocese [na Itália], e quando o pessoal soube desse visto de permanência, todo mundo aplaudiu, mas disseram: ‘E agora? Você vai embora?’ Meu desejo é de voltar o quanto antes”, reforçou o padre italiano, que nasceu na cidade de Andria, sul da Itália, e quando iniciou os estudos religiosos na Escola de Teologia em Verona, na Itália, decidiu que iria realizar sua missão religiosa no Brasil.

Do Uol

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Carlos Drumond de Andrade