terça-feira, 27 de março de 2012

Novo movimento inicia ações contra acusados de torturar prisioneiros políticos na ditadura


levante
O Levante Popular da Juventude realizou atos públicos em todo o país, nesta segunda-feira

Às vésperas de mais um aniversário do golpe de Estado que mergulhou o Brasil em uma ditadura militar de 20 anos, um novo movimento chega às ruas do país, nesta segunda-feira, com o objetivo de promover a denúncia dos acusados de cometer tortura contra prisioneiros políticos durante o período ditatorial. O Levante Popular da Juventude (LPJ) realizou, nesta manhã, em várias capitais brasileiras, “ações simultâneas de denúncia de diversos torturadores, que continuam impunes”, afirma o manifesto liberado junto com o ato político.
Os ativistas apoiam a Comissão da Verdade e exigem a apuração e a punição sobre os crimes cometidos pela ditadura militar. O caráter das ações, conhecida como “escracho”, baseia-se em ações similares as que acontecem na Argentina e no Chile, em que jovens fazem atos de denuncias e revelações dos torturadores que continuam soltos e sem julgamento sobre suas ações durante a ditadura militar.
Em Belo Horizonte, às 6h da manhã, cerca de 70 pessoas realizaram um “escracho” em frente a casa do acusado Ariovaldo da Hora e Silva, no bairro da Graça, uma área residencial da capital mineira. A manifestação contou com faixas, cartazes e tambores, além da distribuição de cópias de documentos oficiais do DOPS, contendo relatos das sessões de tortura com a participação do acusado, “para conscientizar a população vizinha ao criminoso”, disse um porta-voz do movimento. Os vizinhos se mostraram surpresos com o fato do Ariovaldo ter sido torturador do Regime Militar.
– Não sabia que o Seu Ari era um torturador. Tenho na família um caso de perseguido pela ditadura e vou divulgar isso – afirmou um morador da região.
O denunciado permaneceu em casa ouvindo e assistindo a manifestação, tendo aparecido na janela por alguns segundos.
Quem é quem
Ariovaldo da Hora e Silva foi investigador da Polícia Federal, lotado na Delegacia de Vigilância Social como escrivão. Delegado da Polícia Civil durante a ditadura, exerceu atividades no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) entre 1969 e 1971, em Minas Gerais. O nome de Ariovaldo da Hora e Silva consta na obra Brasil Nunca Mais (Projeto A), acusado de envolvimento com a morte de João Lucas Alves e de ter praticado tortura contra presos políticos.
“Foram vítimas dele Jaime de Almeida, Afonso Celso Lana Leite e Nilo Sérgio Menezes Macedo, entre outros. Na primeira comissão constituída para tratar do recolhimento dos documentos do DOPS ao Arquivo Público Mineiro (APM), em 1991, ele foi designado para representar a Secretaria da Segurança Pública do Estado de Minas Gerais (SESP). Em 1998, foi Coordenador de Informações da Coordenação Geral de Segurança (COSEG)”, relata o texto distribuído nesta manhã.
Já o Levante Popular da Juventude é um “movimento social organizado por jovens que visa contribuir para a criação de um projeto popular para o Brasil, construído pelo povo e para o povo”, acrescenta o texto. O LPJ, segundo seus ativistas, não é ligado a partidos políticos: “Com caráter nacional, tem atuação em todos os Estados do país, no meio urbano e no campo. Se propõe a articular jovens, militantes de outros movimentos ou não, interessados em discutir as questões sociais e colaborar para a organização popular. Tem como objetivo propiciar que a juventude tome consciência da sua história e da realidade à sua volta para transformá-la”.
Um dos propósitos do LPJ é o de organizar a juventude para fazer denúncias à sociedade, por meio de ações de Agitação e Propaganda. “Não há bandeiras previamente definidas. A luta política se dá pelas pautas escolhidas pelos próprios militantes, que realizam atividades de estudo e debates, sistematicamente, por todo o país”, continuou.
Manifesto
Os rebelados do Levante também divulgaram, logo após as ações desta manhã, um manifesto no qual situam o objetivo da luta iniciada com o ‘escracho’ ao acusado de torturar presos políticos no país. Leia, na íntegra o Manifesto Levante Contra Tortura:
Mas ninguém se rendeu ao sono.
Todos sabem (e isso nos deixa vivos):
a noite que abriga os carrascos,
abriga também os rebelados.
Em algum lugar, não sei onde,
numa casa de subúrbios,
no porão de alguma fábrica
se traçam planos de revolta.

Pedro Tierra
Saímos às ruas hoje para resgatar a história do nosso povo e do nosso país. Lembramos da parte talvez mais sombria da história do Brasil, e que parece ser
propositadamente esquecida: a Ditadura Militar. Um período onde jovens como nós, mulheres, homens, trabalhadores, estudantes, foram proibidos de lutar por uma vida melhor, foram proibidos de sonhar. Foram esmagados por uma ditadura que cruelmente perseguiu, prendeu, torturou e exterminou toda uma geração que ousou se levantar.

Não deixaremos que a história seja omitida, apaziguada ou relativizada por quem quer que seja. A história dos que foram assassinados e torturados porque acreditavam ser possível construir uma sociedade mais justa é também a nossa história. Nós somos seu povo. A mesma força que matou e torturou durante a ditadura hoje mata e tortura a juventude negra e pobre. Não aceitamos que nos torturem, que nos silenciem, nem que enterrem nossa memória. Não esqueceremos de toda a barbárie cometida.
Temos a disposição de contar a história dos que caíram e é necessário expor e julgar aqueles que torturaram e assassinaram nosso povo e nossos sonhos. Torturadores e apoiadores da ditadura militar: vocês não foram absolvidos! Não podemos aceitar que vocês vivam suas vidas como se nada tivesse acontecido enquanto, do nosso lado, o que resta são silêncio, saudades e a loucura provocada pela tortura. Nós acreditamos na justiça e não temos medo de denunciar os verdadeiros responsáveis por tanta dor e sofrimento.
Convidamos a juventude e toda a sociedade para se posicionar em defesa da Comissão Nacional da Verdade e contra os torturadores, que hoje denunciamos e que vivem escondidos e impunes e seguem ameaçando a liberdade do povo. Até que todos os torturadores sejam julgados, não esqueceremos, nem descansaremos.
Pela memória, verdade e justiça!
Levante Popular da Juventude

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“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada. É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.”
Carlos Drumond de Andrade