O acirramento das disputas discursivas é uma realidade do momento social brasileiro. O aprofundamento de diversas lutas sociais – direitos das mulheres, dos negros e dos homossexuais, por exemplo – faz com que os setores mais conservadores da sociedade fiquem ouriçados, e a oposição entre esses setores e os agentes sociais progressistas acirra-se ao ponto de agressões físicas tornarem-se frequentes, por exemplo contra homossexuais. As contradições sociais mostram o rosto através da exposição pública do machismo, do racismo e da homofobia.
É nesse contexto que se inserem também todas as questões relacionadas à Ditadura Militar brasileira. Com os primeiros passos para a formação da Comissão da Verdade, ambos os lados começam a radicalizar-se novamente, e o conflito torna-se óbvio e necessário para a garantia dos avanços alcançados e para que novos passos sejam dados em direção à justiça – punição dos torturadores e assassinos que usaram o Estado para cometer seus crimes, abertura completa dos arquivos da época, etc.
Na última semana, tivemos uma manifestação de alguns generais de pijama em comemoração ao que eles chamam de “revolução de 1964” e os cidadãos conscientes da História de seu país chamam de Golpe. Outra manifestação no mesmo sentido, com direito a paraquedistas, foi patrocinada pelo deputado Jair Bolsonaro (PP), um manifesto saudoso da Ditadura Militar e agente atuante contra os direitos homossexuais.
A manifestação principal foi confrontada por jovens indignados com o despeito de notórios torturadores que comemoravam a porta que abriram, em 64, para seus crimes. Os jovens gritaram, cuspiram, e foram agredidos pela Polícia Militar que, como nos anos de chumbo, postou-se ao lado dos torturadores.
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Durante os dias que antecederam o mal fadado 1º de abril, a cobertura da Folha Online teve como único momento de jornalismo equilibrado justamente a reportagem a respeito do encontro entre os dois atos em frente ao Clube Militar (“Ato pró-golpe de 64 acaba em tumulto no Rio”). De resto, um grande volume de entrevistas com defensores da Ditadura e quase nenhum espaço para reflexões aprofundadas sobre o período lembrado nestes dias ou a Comissão da Verdade que se avizinha.
Para efeito de comparação, podemos pegar, por exemplo, matéria do dia 31 de março, que resumiu as manifestações pró-golpe (“Militares da Reserva comemoram no ar o golpe de 64”). Foram nove parágrafos, com quatro entrevistados – todos eles defensores da Ditadura Militar. Isso para cobrir um ato que contou com 80 participantes, segundo a Folha. Por outro lado, matéria publicada no mesmo site no dia 2 de abril (“Protesto contra o golpe militar reúne 300 pessoas em SP”), teve apenas quatro parágrafos e nenhuma entrevista. Como dito na manchete, o ato foi muito maior do que o similar dos militares.
Uma observação importante é de que essa manifestação anti-Ditadura passou em frente à sede da própria Folha, lembrando o apoio – editorial e logístico – que o jornal dispensou aos militares golpistas. A matéria referida chega a citar o trajeto, mas distorce a razão dessa escolha, dando a entender que o único motivo pelo qual os manifestantes estiveram em frente ao jornal foi a publicação, neste, de um editorial contrário à revisão da Lei da Anistia. “O protesto passou também em frente à Folha, onde foi lido um editorial do jornal em apoio à Lei da Anistia, posição contrária à dos manifestantes”, diz o texto.
Também não foi feita qualquer referência, nos últimos dias, ao caso de incitação e exposição dos manifestantes anti-Ditadura pelo coronel reformado Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça em 2008 como torturador. Ustra “fichou” em seu blog alguns dos jovens que protestaram contra a comemoração do Golpe em frente ao Clube Militar. Como bem explicou Celso Lungaretti em um artigo no site do Brasil de Fato, “o objetivo alegado foi ‘disponibilizar material para que o Clube Militar, assim como o agredido possam acionar a justiça’. Mas, há sempre possibilidade de eles se tornarem alvos das práticas habituais do antigo DOI-Codi: sequestros, torturas, assassinatos”.
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