Publicado no fórum do grupo
Documento Ditadura (Facebook) pelo próprio entrevistado Valdir Fraga Junior*
Entrevistar um ex-preso político e sentir de perto todo o processo de tortura e humilhação vale para mim que leciono história, como uma aula de tudo aquilo que estudei nos livros.
A narrativa foi recheada de pura emoção e relembrar para as gerações o horror de uma época que levou o país ao caos político e escárnio das instituições democráticas. Era início de uma tarde chuvosa do mês de maio de 1972, num bairro operário da zona norte do Rio de Janeiro.
O bairro já foi sucesso nos versos
de Gilberto Gil, “Alô Realengo, aquele abraço”, mas neste bairro quem estava
sendo abraçado, ou melhor, algemado e encapuzado era um trabalhador gráfico,
oriundo da Vila do Itapemirim que estudou na Escola Técnica de Vitória, Valdir
Fraga Junior, que abraçou de corpo e alma o sonho dos mais belos do mundo, o
sonho socialista. Aquele sonho que a milhares de anos o homem persegue, ou ousa
sonhar-se.
No mesmo momento que era seqüestrado
de forma covarde sem direito a nada, a não ser à vontade de homens armados de
metralhadoras aos gritos e palavrões. Neste momento sua residência era invadida
por outro grupo, revistando, dando empurrões com os canos das metralhadoras,
num total vandalismo.
Apesar de nada encontrar em sua
casa, disse Fraga Junior, sacos e mais sacos eram expostos e diziam que eram
armas e munições!...Uma forma de impressionar a vizinhança.
Relata ainda, que uns quarenta
minutos mais ou menos após o seqüestro, chegaria na Barão de Mesquita na Tijuca
onde funcionava o DOI-CODI (Departamento de Operações e Informações – Centro de
Operações e Defesa Interna).
Se lá não era o inferno, com certeza
era sua sucursal, ou melhor, uma das sucursais espalhadas por todo país.
Mandaram-no tirar a roupa. Despido foi amarrado com fio elétrico nos dedos dos
pés e das mãos, enfatizou que faziam as perguntas de praxe.
Indagando sobre a organização e o
codinome. Respondia sempre: - Meu nome é Fraga Junior, sou do Sindicato dos
Trabalhadores Gráficos.
Aos gritos e palavrões ao seu redor
parecia que eram uns 6 a 8 torturadores. Com o capuz na cabeça não viu quando
uma pernada o jogou no chão. A mão do monstro o agarrou na parte genital,
amarrando um fio. “A manivela funcionou. Gritei sufocado por um capuz preto.
Parecia que todos os nervos do corpo estavam eletrificados. Cheiro de cabelo
queimado, aqueles que rodeiam o órgão genital amarrado. Após algum tempo, que
parecia uma eternidade, os fios foram retirados. Socos e joelhadas partiram de
todos os lados, com as mesmas perguntas e palavrões. Caído, fui arrastado pelas
pernas até um quadrado que eles denominavam geladeira. Na geladeira uma friagem
descomunal. Quando acordei, ouvi uma voz vinda de um aparelho instalado no
teto, em seguida uma gargalhada sádica e depois as mesmas perguntas, como se
fosse uma gravação repetindo a mesma coisa”. Relembra Fraga.
Codinome e organização. Como a
resposta era a mesma. Fraga Jr. do Sindicato dos Trabalhadores, não completou a
frase, um apito de uma fábrica parecia estourar o tímpano naquele ambiente
fechado e escuro. Não era possível calcular o tempo, era uma coisa infernal.
Toda madrugada era retirado, sempre nu com o capuz preto, era espancado com
socos nos rins, peito, e só paravam quando caia desmaiado.
No final de mais ou menos quatro
dias, sem refeição nenhuma, apenas com um ou dois dedos de água. Uma sede
terrível provocada por banho de suor após tortura, senti-me muito mal, dentro
da geladeira desmaiei e fui acordar, sentado numa cadeira que eles chamavam de
“cadeira de dragão”, com o capuz um pouco levantando, um torturador dando algo
para cheirar, não sabia o que era, parecia vinagre ou amônia, um outro segurando
o pulso como se estivesse medindo as batidas.Uma voz com tom bem alto disse:
“Desta vez você não sai vivo. Você sabe onde está?” Um pouco desligado, tonto,
não respondi a pergunta.
Quem perguntou foi o mesmo que
respondeu: “Aqui é o Esquadrão da Morte!” Me arrastaram por uma escada e me
jogaram numa sala. A primeira coisa que fiz foi correr para uma torneira e
beber bastante água até a barriga doer. A bexiga encheu, quando fui urinar,
senti que as marcas do fio amarrado na parte genital deixaram uma ferida, que a
própria urina já constituía o prolongamento da tortura.
A primeira refeição que fiz, foi uma
marmitex entregue através de uma portinhola. Cai no sono profundo apesar das
dores em toda parte do corpo. Acordei com mais de um filhote da sucursal ao seu
lado, já enfiando o capuz na cabeça com toda espécie de ameaças.
Não sei quanto tempo levei, mas
parecia uma eternidade. Acrescentaram mais algumas perguntas. Queriam nomes de
companheiros do sindicato, na ótica fantasiosa da repressão, os gráficos eram
um “ninho de comunistas”.
Valdir sentia o corpo doído, a perna
direita não podia firmar no chão, de tão inchada, o braço direito parecia uma
asa quebrada de um pássaro. Porém o pensamento voava alto, mas o corpo sentia
que estava perdendo as forças.
Nas horas de dor me concentrava e
pedia todas as forças do Universo, proteção e coragem para resistir, e que nem
um de meus companheiros gráficos, ou ser humano fosse entregue aquelas feras.
Se fosse necessário que a morte chegasse antes desta hora.
Numa noite de capuz na cabeça,
descia novamente a escada para mais uma sessão de tortura, sentia-me tão
grande, que os monstros que me carregavam pareciam ratos. Assim como a mente me
fez sentir como rato, me fez sentir um gigante. Conclui Fraga.
Em 1975 fui julgado por Tribunal
Militar. A promotoria pedia minha condenação. Sendo me dado o direito de me
pronunciar, relatando as atrocidades cometidas nos quartéis. O Tribunal não
havendo provas me absorveu. Hoje faço parte da Associação dos Ex-Presos
Políticos, com sede em Brasília.
“Uma verdade é comprovada: nenhum
companheiro passou pelos porões da tortura, nenhum nome foi entregue. Assumi a
minha posição militante de esquerda em defesa da classe trabalhadora”.
Finalizou Valdir Fraga Junior.
Valdir Fraga Junior* - Vitima da Ditadura e anistiado político,
Por: José
Rubens Brumana
Fonte: Redação Maratimba.com
Um exemplo de ideal. Histórias assim deveriam ser relatadas na grande mídia para esses
ResponderExcluirdefensores da volta do regime militar repensarem as bobagens que andam dizendo.