Gilberto Faria Lima, o Zorro, estava entre os procurados por agentes do regime militar |
Documentos encontrados no Arquivo
Nacional, em Brasília, levantam a suspeita de que Gilberto Faria Lima, dado
como desaparecido há 40 anos, um dos militantes da esquerda armada com mais
ações no currículo, pode
ter sido um agente duplo e estar vivo. Um relatório dos órgãos de
informação militares liga Faria Lima ao
Filho do diplomata brasileiro Otávio
Conrado, o espião atuou de 1967 a 1980, infiltrou-se nas organizações de
esquerda, conseguiu enganar personagens como Leonel Brizola, Miguel Arraes e o
Almirante Cândido Aragão e, assim, entregou ao Centro de Informações da Marinha
(Cenimar) e ao Itamaraty informações que resultaram em dezenas de prisões e
mortes no Brasil e no exterior.
Numa operação que chamou de “Missão
no Brasil”, relatada em 21 páginas, Conrado diz que o brasileiro foi o elo com
os grupos de esquerda. “Fizemos o primeiro contato em São Paulo através do
endereço fornecido por Gilberto Faria Lima”, conta Conrado, que usa o codinome
de Johnson, embora na maioria dos informes listados num dossiê de 812 páginas
se apresente como Altair.
Conrado recebia salário mensal dos
órgãos de informação do regime militar para espionar. Antes de viajar para o
Brasil, entre setembro e agosto de 1972, diz que esteve pessoalmente com Faria
Lima, no Chile. Ele revela que, “seguindo as instruções de Carlos” (codinome de
Faria Lima), encontrou-se com vários militantes do PCB em São Paulo e no Rio,
usando como álibi cartas escritas por Faria Lima cujos originais estão anexados
no dossiê.
Na guerrilha, Faria Lima usou pelo
menos oito codinomes, mas era mais conhecido entre os companheiros por Zorro ou
Giba. Com 16 ações armadas de alta envergadura no prontuário preenchido pelo
Dops paulista – entre elas os assassinatos do ex-presidente do Grupo Ultra
Henning Albert Boilesen e do tenente da PM Alberto Mendes Júnior –, Zorro
chegou a ser condenado à pena de morte, lei que vigorou no Brasil durante o
AI-5, entre 1969 e 1978. A pena capital, aplicável com fuzilamento, foi
convertida em prisão perpétua e, mais tarde, numa condenação de cinco anos de
reclusão, anulada pela Lei da Anistia.
O longo histórico de ações armadas
listadas pelo Dops no currículo do ex-guerrilheiro teria sido o primeiro
capítulo da faceta desconhecida de Zorro. Ele era linha de frente da guerrilha
urbana e foi um dos homens de confiança de um dos principais líderes da
resistência armada, o capitão Carlos Lamarca.
Um informe dos órgãos de espionagem
aponta que, ao lado de outros militantes, teria participado de um encontro com
Fidel Castro no Chile, no qual se discutiram ações subversivas no Brasil, como
um plano de sabotagem para parar a Rodovia Presidente Dutra por onde, à época,
escoava boa parte da economia do País.
Zorro foi militante de três
organizações envolvidas na luta armada, a Resistência Democrática (Rede), a
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Movimento Revolucionário Tiradentes
(MRT), mas atuou também em ações conjuntas com a Ação Libertadora Nacional
(ALN). Eram os grupos mais radicais e, por isso, caçados incessantemente pela
repressão.
A esquerda sempre trabalhou com a
hipótese de que Zorro pudesse ter sido cooptado pelos órgãos de repressão, mas
guardou suas suspeitas até que as evidências se tornassem mais claras. “O
comportamento dele em algumas ações sempre deixou dúvidas”, diz o jornalista,
ativista e coordenador da Comissão da Verdade paulista, Ivan
Seixas, companheiro de Zorro em várias ações, como assaltos a banco
(a esquerda chama de expropriação) pelo MRT.
Preso aos 16 anos junto com o pai,
Joaquim Alencar Seixas – operário comunista morto na tortura –, Ivan não era só
parceiro de Faria Lima no MRT. Eles foram amigos. Ele acredita, no entanto, que
o difícil é concluir se Zorro foi infiltrado pelos órgãos de repressão ou mudou
de lado ao cair nas mãos da polícia.
Via Ultimo Segundo
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