O papel do ex-guerrilheiro como traidor teria sido definido em meados de 1970 ao cair nas mãos de agentes |
O ex-guerrilheiro Gilberto Faria
Lima teria mudado de lado em meados de 1970 ao ser detido por agentes do Centro
de Informações da Marinha (Cenimar). É provável que, ao ser confrontado com a
ficha quilométrica de ações armadas, tenha aceitado colaborar para escapar da
tortura e de uma morte certa. Os documentos produzidos pelos órgãos de
informação das Forças Armadas e pelo Dops paulista traçam um perfil dúbio de
Zorro, como era conhecido. Em alguns informes o tratam como militante da
esquerda armada e, em outros - os de caráter mais confidencial -, como suposto
colaborador.
Um dos informes, com a tarja dos
documentos secretos, emitido em 10 de julho de 1972, diz que Gilberto Faria
Lima estava, à época, refugiado no Chile “com o nome de cobertura de ROBERTO
REYS e que há quatro meses havia regressado ao Brasil por Montevidéu, Rivera e
(Santana do) Livramento”. “Nome cobertura” é linguagem que os órgãos de
informação oficial usam para camuflar a identidade de seus agentes ou espiões
cooptados infiltrados em organizações.
O segundo item do informe sugere que
os arapongas brasileiros tiveram acesso a relatos verbais de Faria Lima: “Disse
o marginado que ingressou no Brasil ‘tranquilamente’, mostrando, inclusive,
carteira de identidade do Estado do Rio Grande do Sul”.
O documento segue informando que
Zorro fez os primeiros contatos em Buenos Aires entre os brasileiros asilados
no Chile e os “Montoneros”, na Argentina, e estava integrado ao grupo liderado
por Joaquim Pires Cerveira, militar gaúcho que dirigiu outra organização de
esquerda, a Frente Nacional de Libertação, e está desaparecido desde 1973.
Em outros dois trechos, o agente que
produziu o informe descreve até detalhes físicos do ex-militante: “o marginado
está muito diferente, fisicamente, pois engordou bastante”. Mais adiante volta
a sugerir que Faria Lima fez alguma declaração verbal ao registrar que o
ex-guerrilheiro “disse, também, que conheceu, na Argentina, a brasileira
GUIOMAR SCHMIDT DE KLASKO, acusada de ter assassinado o industrial SALLUSTRO”.
Referia-se ao assassinato de Oberdan Sallustro, morto em abril de 1972 pelo Exército
Popular Revolucionário (ERP).
Embora sejam sempre de veracidade
duvidosa, os informes descrevem a trajetória de Faria Lima no Chile e na
Argentina com precisão reconhecida pela esquerda. Com os crimes atribuídos pelo
regime é improvável que não fosse preso ao regressar clandestinamente. Ao
contrário de outros casos, de mortes ou prisões, não há qualquer referência
sobre qualquer ação da polícia ou dos agentes militares sobre Faria Lima nesse
período.
No Chile e na Argentina, ele se
entrosou com vários grupos de militantes e ativistas. Eram brasileiros que
fugiram ou foram banidos pelo regime depois das negociações que resultaram na
libertação de presos políticos em troca da vida de diplomatas estrangeiros
sequestrados pela guerrilha no Rio e em São Paulo.
Reprodução
Zorro chegou a ser condenado a pena de morte durante por assassinatos na ditadura
|
Faria Lima deixou o Brasil em 1971,
quando já era suspeito de colaborar com os órgãos de repressão. O que não se
sabia é que no Chile passou a ter contatos também com o espião uruguaio Alberto
Conrado, principal araponga da Operação Condor, como era chamada a articulação
entre as ditaduras do Cone-Sul para exterminar os movimentos subversivos.
Conrado mora atualmente em Motevidéu e deve ser ouvido pela Comissão Nacional
da Verdade.
As entidades que investigam os
crimes da ditadura militar no Brasil ainda estão listando as prisões, execuções
e desaparecimentos forçados que resultaram das delações. Não há nenhum
documento com crédito dando conta de que foi preso, embora seu nome tenha sido
citado pelo ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE) Marival Dias
Chaves do Canto entre os sete militantes mortos na emboscada de Medianeira,
ocorrida em 11 de julho de 1974 numa área rural do município paranaense.
Uma irmã de Zorro, Sonia Lima
Bonelli, acredita que provavelmente o nome tenha sido dado como morto em
Medianeira pela própria polícia para evitar retaliações da esquerda. Ela diz
que a família recebeu uma carta do irmão em novembro de 1974 - portanto, depois
do massacre -, mas não teve mais contatos com ele. Segundo Sônia, a família foi
informada pela polícia, por meio de outra irmã, Rita, já falecida, que Giba,
como era chamado em casa, teria feito um acordo com o Cenimar para sobreviver.
“Se ele mudou mesmo de lado, deve ter tido suas razões. Isso não importa para
nós. Queremos saber se ele está vivo”, diz Sônia.
Sobre o espião Uruguaio Alberto
Conrado há fartura de documentos comprovando que ele foi o mais ativo espião a
serviço do regime militar brasileiro no continente. Um deles dá conta de que o
Itamaraty e o Cenimar bancaram as despesas da operação em que ele se infiltrou
ao lado de Brizola durante o exílio em Portugal. O que se suspeita agora é que,
ao lado de Conrado, Faria Lima pode ter sido o elo brasileiro da Condor. A
Comissão da Verdade paulista estima em 46 o número de militantes de esquerda
desaparecidos no exterior durante os anos de chumbo.
Via Ultimo Segundo
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