terça-feira, 5 de julho de 2011

O sigilo eterno que encobre crimes de Estado e algema a presidente

Se Dilma sucumbir às chantagens estará oferecendo os próprios pulsos aos que têm culpa no cartório e são capazes de tudo
 
Sarney age como um psicótico que tem culpa no cartório e chantageia
 a presidente,  usando pretextos pueris. Collor é o bobalhão que faz seu jogo.
"Não me lembro se colocamos no Isordil, no Adelpan ou no Nifodin. Conseguimos colocar um comprimido nos remédios importados da França. Ele não poderia ser examinado por 48 horas, senão aquela substância poderia ser detectada."

Mário Neira Barreiro, um dos assassinos confessos de Jango, em entrevista gravada por João Vicente Goulart.

Anote e confira um dia, se a sociedade puser a boca no trombone e reverter essa abominável articulação obscurantista para preservar o sigilo eterno de documentos oficiais: seu principal objetivo é encobrir os assassinatos de Estado, como os de  Juscelino Kubitschek, João Goulart, Carlos Lacerda e Tancredo Neves, bem como as verdadeiras circunstâncias da morte de Getúlio Vargas.

É isso mesmo: estou falando de assassinatos perpetrados com os conhecidos requintes que foram mais salientes no regime do apartheid, na África do Sul, e no Portugal salazarista, no tempo da PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado.

Se esse cavalo de pau vingar, quando o projeto de lei que insere no Brasil nos hábitos das nações civilizadas já está pronto para ser votado 8 anos depois de apresentado, falar em Comissão da Verdade para inventariar os abusos na ditadura será uma impertinente piada de mau gosto.

A sociedade brasileira terá perdido uma grande oportunidade de conhecer tramas do arco da velha, guardadas a sete chaves por exporem as vísceras dos podres poderes ao longo de anos e séculos.

Apenas para esclarecer: o projeto que põe fim ao sigilo eterno foi encaminhado em 2003 ao Congresso pelo ex-presidente Lula. Na Câmara, foi detectada uma falha que, no fundo, preservaria os segredos para sempre, na medida em que permitia a prorrogação indefinida do sigilo dos documentos considerados ultra-secretos. Com a emenda aprovada, o maior prazo é de 50 anos, o que já não é pouco.

Três vultos da história mortos no espaço de 8 meses

No caso das minhas afirmações iniciais, basta lembrar coincidências gritantes: O ex-presidente Juscelino Kubitscheck foi “acidentado” no dia 22 de agosto de 1976; 104 dias depois, em 6 de dezembro do mesmo ano, o ex-presidente João Goulart foi envenenado em Mercedes, na Argentina, no auge frenético da “Operação Condor”, que juntava em ações transnacionais de extermínio as ditaduras do Brasil, Chile, Argentina e Uruguai; 166 dias mais tarde, em 22 de maio de 1977, o ex-governador Carlos Lacerda morreu em uma clínica particular, onde fora internado com uma gripe comum.

Esses três líderes de correntes rivais haviam se unido a partir de iniciativa de Lacerda, o principal arauto do golpe de 1964, quando este descobriu, em 1966, que havia levado uma tremenda volta dos militares, que se apegaram aos poderes encantados de Brasília e implantaram o regime em que qualquer um poderia ser presidente, desde que fosse general do Exército.

Em 1966, antes de ser cassado pelos ex-concubinos na conspirata patrocinada pelos Estados Unidos, Lacerda resolveu dar o troco de maneira surpreendente: através de Renato Archer, adversário de Sarney no Maranhão, chegou a Juscelino, que estava exilado em Portugal, e valendo-se de Doutel de Andrade sensibilizou João Goulart: em 28 de outubro de 1966 a TRIBUNA DA IMPRENSA publicava o manifesto da Frente Ampla, assinado pelos três, pleiteando a volta das eleições diretas e política externa soberana, entre outros pontos.

Mesmo sob desconfiança dos parlamentares oposicionistas, que suspeitavam da metamorfose de Lacerda e da condenação de Brizola, que soltou os cachorros em cima de Jango, a frente começou a ganhar corpo até que em 5 de abril de 1968 a ditadura cassou o ex-governador e proibiu as atividades do grupo. A partir de então, suas articulações passaram para a clandestinidade e pesaram na decisão que levou ao AI-5, em 13 de dezembro de 1968.

Sarney, o pau-mandado da ditadura

Em todos esses episódios, José Sarney se comportou como um crápula de carteirinha, procurando prestar todo tipo de serviço à ditadura para consolidar o vice-reinado do Maranhão, ainda dividido, devido à força que seu ex-padrinho Vitorino Freire ainda gozava no regime, sobretudo pelas mãos dos irmãos Geisel.

Documentos secretos do governo americano, tornados públicos na década de 90, revelaram que Sarney foi o emissário dos militares junto à Embaixada norte-americana para explicar o AI-5, ato institucional ultra-ditatorial que dividia os próprios militares. O grupo de Golbery, que perdera o manuseio dos cordéis, usava seus contatos para convencer os patrões de que esse golpe dentro do golpe era uma carta branca a "linha dura" radical e poderia  trazer dores de cabeças para a Casa Branca e os trustes, tudo, naturalmente dentro do clima de intrigas e disputas pessoais entre generais, almirantes e brigadeiros que marcaram os 20 anos sórdidos, nos quais Sarney deu nó em pingo d’água para manter-se na crista da onda.

Tancredo, a morte mal contada

No caso de Tancredo Neves, de cuja morte foi Sarney o grande beneficiário, como se tivesse ganho a Presidencia na mega-sena, há histórias cabeludas que deixaram até hoje familiares do veterano político mineiro com a pulga atrás da orelha. As suspeitas aumentaram quando o general Newton Cruz admitiu em entrevista à TV Cultura, no ano passado, informnações antecipadas sobre sua morte.

Isso levou a família do ex-presidente a cogitar de pedir abertura de investigações rigorosas. OsNeves até hoje não digeriram o caso do garçom João Rosa, escolhido para ser o mordomo do presidente eleito. Ele também teve uma morte estranha, um dia depois do falecimento de Tancredo. Rosa tinha 52 anos e morreu oficialmente em consequência de diverticulite, primeiro diagnóstico para a doença do presidente. O garçom, que era funcionário do Palácio do Planalto, chegou a trabalhar alguns dias na Granja do Riacho Fundo, residência provisória do novo presidente e onde Tancredo fazia as refeições enquanto definia o Ministério da Nova República.

Suicídio de Getúlio nunca foi devidamente esclarecida

Em relação à morte do presidente Vargas, já se levantaram variadas hipóteses. Em 2007, a ex-vedete Virgínia Lane, que privou de sua intimidade, afirmou no programa de Roberto Canázio, da Rádio Globo, que estava na cama com ele quando quatro homens mascarados o mataram. Gervásio Batista, fotógrafo histórico, autor da última foto de Tancredo vivo, disse em 2008 ao site G1 que foi impedido por Gregório Fortunato de fotografar Getúlio morto, porque este “estava em trajes menores”.

Especulações e doideiras à parte há especulações sobre a possibilidade de que a própria carta-testamento do ex-presidente não tenha sido escrita por ele,mas pelo ex-ministro João Neves da Fontoura, o mesmo que divulgou “correspondências secretas” entre Vargas e Perón sobre repúblicas sindicalistas, usadas no complô para derrubá-lo. Curioso: embora se conheça o documento manuscrito, a historiadora Maria Celina D’Araujo fala de três vias: “Como testemunho de seu gesto Getulio deixou uma carta testamento com três cópias. Uma, na mesa de cabeceira da cama onde morreu, outra dentro do seu cofre e uma terceira entregue a Goulart, ainda durante a reunião ministerial. Getulio pedira a Jango que guardasse o documento sem lê-lo e se retirasse para o Rio Grande do Sul, pois no Rio, ele, Getulio e o próprio governo eram muito vulneráveis”.

Assassinato de Jango não há como esconder

Falo de alguns fatos dignos de suspeita, mas a história dos assassinatos de Estado é madeira de dar em doido. Graças à tenacidade do seu filho João Vicente o Ministério Público Federal passou a investigar a morte do ex-presidente no início de 2008, quando escrevi:

O assassinato de Jango fazia parte de um sofisticado plano internacional, que incluía outras vítimas, como o ex-embaixador chileno Orlando Letelier, "explodido nos EUA", o ex-general chileno Carlos Prates, o ex-presidente boliviano Juan José Torres e dois parlamentares uruguaios - senador Zelmar Michelini e o deputado Héctor Gutiérrez Ruiz - ocorridos na Argentina, após a deposição de Isabelita Peron, em 24 de março de 1976, e a ascensão do mais sangrento bando golpista, comandada pelo general Jorge Rafael Videla, que disputou com o colega chileno Augusto Pinochet a comenda de grão-mestre da tortura e do extermínio de opositores.

Na ocasião, o advogado Christopher Goulart, neto do ex-presidente, declarou que a investigação levaria inevitavelmente à descoberta de outros crimes, no âmbito da “Operação Condor”. A apuração já ia ser arquivada se não fosse pela insistência do seu filho. Agora em junho, a procuradora da Republica Gilda Carvalho determinou à Procuradoria do Rio Grande do Sul, que reative as investigações a respeito e exigiu rigor nos interrogatórios de quem pode esclarecer o crime.

Uma forma de algemar a presidente Dilma

Mas há muita nebulosidade sobre uma história que vem sendo sistematicamente escondida aos brasileiros num ambiente que ameaça até mesmo os governantes de hoje.

Nesse episódio, a presidente Dilma Rousseff tem o apoio de todas as correntes de opinião, inclusive as mais conservadoras, para manter o projeto como chegou ao Senado. Só quem está ensebando é quem tem culpa no cartório, no caso os bolsões da intolerância das Forças Armadas, que esperam assim sepultar a Comissão da Verdade, e traquinas da laia de Sarney e Collor, que devem estar muito mal na papelada que pretendem eternamente protegidas da luz do dia.

A matéria já devia ter sido votada no último dia 3 de maio, mas Dom Sarney e seus lacaios amestrados travaram, puseram as facas no peito da presidente e deixaram todo o país a ver navios.

Se a presidente Dilma se curvar a tamanha monstruosidade, estará oferecendo os próprios pulsos às algemas, iguais as que marcaram seu espezinhado corpo juvenil. E ficará nas mãos tintas de sangue de uma meia dúzia de psicóticos de vida pregressa impublicável.

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“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada. É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.”
Carlos Drumond de Andrade