sábado, 17 de dezembro de 2011

Os nervos expostos da ditadura

Nas revistas: os nervos expostos da ditadura

As mais de 2 mil páginas de documentos secretos do Centro de Informação da Marinha (Cenimar) mostram que o Cenimar se tornou um gigantesco aparato de conspirações e perseguição aos adversários do governo.


Os nervos expostos da ditadura
Criador do Serviço Nacional de Informações (SNI), em 1964, o general Golbery do Couto e Silva, anos mais tarde, passou a chamar de “monstro” o aparelho de espionagem e repressão que montou. O SNI ficava no topo de uma complexa estrutura de órgãos encarregados de combater as organizações de esquerda que se opunham ao regime militar (1964-1985). As mais de 2 mil páginas de documentos secretos do Centro de Informação da Marinha (Cenimar) obtidas por ÉPOCA dão razão a Golbery. O conteúdo desses arquivos mostra que o Cenimar se tornou um gigantesco aparato de conspirações e perseguição aos adversários do governo.
Um relatório escrito no fim de 1971 diz que, àquela altura, o arquivo do Cenimar guardava cerca de 330.000 prontuários acondicionados em 160 gavetas de aço. As fichas pessoais eram organizadas sem muito critério, como se o serviço secreto quisesse dominar o mundo. O cadastro incluía inimigos notórios da ditadura, vivos ou mortos, líderes do golpe de 1964, como o ex-presidente Castello Branco, e até personalidades estrangeiras, como o ex-presidente dos Estados Unidos John Kennedy, assassinado em 1963. Muita coisa estava distante do tema “segurança interna”, objetivo declarado do Cenimar. Muitas vezes, nem os chefes escapavam da bisbilhotagem.
Em 26 de abril de 1971, o agente identificado como PT-73 relatou um caso de abuso de autoridade perpetrado pelo então ministro da Marinha, almirante Adalberto de Barros Nunes. Ministro do governo Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Nunes era conhecido por ter sido amigo do sambista Almirante e de ter conhecido os compositores Noel Rosa e João de Barro. Segundo PT-73, no dia 13 de janeiro de 1971, Nunes usou o poder do cargo de ministro para internar a caseira de seu sítio em Itaipava, no Rio de Janeiro, Floripe Lopes, no Hospital Nossa Senhora da Glória, administrado pela Marinha. Após uma série de exames, diz o relato do agente, o médico Marcos Blanc mandou que fosse dada alta a Floripe. A assistente social Maria Elizabeth Teixeira telefonou à mulher do ministro, dona Maria, para comunicar o fato. O agente escreveu que dona Maria ficou “indignada com a maneira de falar da assistente social” e “com a alta de sua caseira”. Ao saber disso, o ministro Adalberto Nunes deu ordem para punir a assistente social, o médico e a enfermeira que atenderam Floripe. O médico foi condenado a oito dias de prisão. As punições dos militares não foram incluídas em seus registros de carreira. A ficha de internação de Floripe desapareceu do hospital. Tudo foi apagado para não deixar rastros. Mas o Cenimar soube.
A estrutura que fez de órgãos como o Cenimar tão poderosos começou a ser montada no fim da década de 1920. Mas a influência dos serviços de informação cresceu nos preparativos do golpe contra o governo do presidente João Goulart, derrubado pelos militares em 1964. A insubordinação da Marinha, fundamental na queda de Goulart, era alimentada desde 1962 dentro de seu serviço secreto. Numa investigação interna sobre o comportamento de um integrante do centro, um oficial do Cenimar fez um relatório que descrevia a conspiração. O texto afirma que o almirante Pedro Paulo de Araújo Suzano, ministro da Marinha de Goulart, tinha interesse em bloquear as atividades do Cenimar, definido pelo oficial como um “baluarte da ação anticomunista”, o que “contrariava os interesses do governo João Goulart”.

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“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada. É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.”
Carlos Drumond de Andrade