SDH quer ampliar comissão de mortos
e desaparecidos para incluir camponeses. A ministra da Secretaria Especial de
Direitos Humanos, Maria do Rosário, anunciou que sua pasta vai sugerir a
ampliação dos prazos e do escopo de trabalho da Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos para que nela sejam incluídos centenas de casos de líderes
camponeses mortos ou torturados pela ditadura militar. Essa medida pode
significar na prática também uma ampliação do leque de investigações da
Comissão da Verdade.
Maurício Thuswohl
Porto Alegre – A ministra da Secretaria
Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, anunciou na sexta-feira (27),
durante o Fórum Social Temático 2012, que sua pasta vai sugerir a ampliação dos
prazos e do escopo de trabalho da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos
para que nela sejam incluídos centenas de casos de líderes camponeses mortos ou
torturados pela ditadura militar. Essa medida pode significar na prática também
uma ampliação do leque de investigações da Comissão da Verdade, constituída
pela presidente Dilma Rousseff para apurar novos fatos sobre crimes cometidos
naquele período.
O anúncio foi feito em um clima de
muita emoção, provocada pelos depoimentos de familiares de lideranças
camponesas perseguidas, durante o lançamento do Livro “História da Repressão
Política no Campo – Brasil 1962/1985 – Camponeses Tortur ados, Mortos e
Desaparecidos”, escrito por Marta Cioccari e Ana Carneiro.
“A noção de direito perpassa as
nossas responsabilidades em todos os poderes. Temos que pensar a estratégia,
talvez, inclusive de abertura de novos prazos até mesmo na Comissão da Verdade,
pois muitas questões aparecerão, e para a Comissão de Mortos e Desaparecidos
especialmente”, disse a ministra, à luz dos casos trazidos pelo livro. Maria do
Rosário também pediu uma “atitude de responsabilidade do Judiciário em levar
adiante, em não paralisar [os processos], já que muitas das mortes no campo
permanecem impunes, não apenas aquelas do período da ditadura militar, mas
também as atuais, na luta pela terra”, disse.
Responsável pelo Projeto de Direito
à Memória e à Verdade na SDH, Gilney Viana apresentou os dados que embasam a
decisão da secretaria: “A partir das informações trazidas pelo livro, eu fiz um
levantamento _ excluindo padres e advogados, para me concentrar apenas
nos camponeses _ para ver quantos tiveram acesso à anistia ou à reparação moral
e material e quantos dos mortos tiveram acesso à Comissão de Mortos e
Desaparecidos e assim tiveram reconhecidos pelo Estado os seus assassinatos ou
desaparecimentos. Dos 494 camponeses referidos no livro, apenas 91 requereram a
anistia, o equivalente a 18,4%. A grande maioria ou não sabe ou acha que não
tem direito. De uma forma ou de outra, não têm acesso”.
Daqueles que demandaram algum tipo
de reconhecimento e reparação, segundo Gilney, 50 foram deferidos e 41 estão em
situação de não-deferidos pela existência de homônimos: “Dos 429 mortos e
desaparecidos citados no livro, apenas 30 foram à Comissão de Mortos e
Desaparecidos, o equivalente a 7%. Desses 30, apenas 17 foram deferidos”,
disse. O assessor especial da SDH também fez uma observação sobre os
responsáveis pelas mortes dos camponeses:
“Segundo o livro, agentes públicos
foram responsáveis pelas mortes ou desaparecimentos de 17,7% dos camponeses
referidos e os agentes privados são responsáveis por 82,3%. Agora, o que é
agente privado? É pistoleiro, jagunço, fazendeiro, grileiro, etc. A maioria
deles sequer foi punida”.
Presidente da Comissão Especial
sobre Mortos e Desaparecidos, Marco Antônio Rodrigues, afirmou que fatos novos
podem reabrir as investigações: “A lei 9.140, que trata das pessoas mortas e
desaparecidas, tem um caráter muito restritivo. Ela usa como parâmetro de causa
e efeito a associação política e a perseguição pelo Estado, mas não a luta pela
terra. Seria importante a ampliação do prazo da lei para uma nova revisão e,
mais do que isso, é preciso ampliar o conceito de repressão”, disse.
Durante o ato de lançamento do
livro, que contou também com as presenças do ex-governador do Rio Grande do
Sul, Olívio Dutra, e de Joaquim Soriano, representando o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), alguns familiares de camponeses perseguidos
deram emocionados depoimentos, provocando lágrimas na mesa e na platéia. O
filho de João Machado Santos, o João Sem-Terra, liderança perseguida nos anos
1960, foi um deles: “Eu tinha quatro anos quando meu pai teve que abandonar a
família para poder sobreviver. A ditadura escondeu, eu era proibido de falar
dele. Pior do que passar necessidades era ouvir falar mal do meu pai e não
poder fazer nada”, contou João Altair dos Santos, que, em um caso raro, pôde
encontrar o pai ainda vivo: “Ele voltou e morreu em 20 de outubro de 2010.
Quando ele voltou, a nossa vontade era somente a de formar a família
novamente”, disse.
Francisco de Souza, filho de
Francisco Nogueira Barros, o Pio, também chorou ao contar que, com o auxílio do
MDA, da SDH e da UFRJ, vai publicar o livro que escreveu contando a história do
conflito na Fazenda Japuara, em Canindé (Ceará): “Tive a iniciativa de escrever
a nossa história. A Marta Cioccari viu que eu estava escrevendo a punho e me
trouxe para o projeto para escrever pequenos livros. Para mim, foi maravilhoso
resgatar a nossa história através do lançamento desse livro pela UFRJ. Teremos
a oportunidade de contar a nossa verdade”, disse.
Maria do Rosário elogiou a
publicação: “É um reconhecimento da luta do nosso povo pelo direito à terra, ao
trabalho e à democracia. Esse livro tem que circular, tem que ser lido. Por
isso, a SDH e o MDA vão seguir fazendo esse trabalho com os livros menores e
outras ferramentas. Queremos chegar às escolas. A maior parte dessas histórias
é completamente desconhecida da sociedade. Eles ainda não foram reconhecidos
com a devida atenção pelo Estado por tudo o que sofreram. Não há também o
reconhecimento da resistência no campo como uma luta fundamental para a
democracia no Brasil. Cada uma dessas histórias revela métodos de ação da
Ditadura. Terra e poder são coisas muito articuladas no Brasil”, disse a
ministra, ressaltando que a origem deste trabalho aconteceu durante o governo
Lula, nas equipes dos ministros Paulo Vannuchi (DAS) e Guilherme Cassel (MDA).
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